Nem sempre a alta hospitalar é o fim dos problemas causados pela Covid-19. No mundo todo, profissionais de saúde observam uma série de complicações decorrentes da doença, que vão de manifestações dermatológicas a distúrbios cardíacos e podem surgir meses após resolvido o quadro agudo da infecção pelo Sars-CoV-2. Para que a carga da pandemia não se torne ainda maior para o sistema de saúde do país, pesquisadores recomendam a criação de protocolos clínicos e unidades para tratamento de pacientes com a chamada síndrome pós-Covid.
Segundo Fábio, há registros de problemas cardiovasculares decorrentes da Covid-19 até mesmo em pacientes sem histórico prévio de doenças no coração.
“A literatura tem várias observações a respeito de pessoas absolutamente sem doença cardiovascular e que acabaram desenvolvendo no pós-Covid. Inclusive atletas universitários, pessoas sem risco cardiovascular. Estudos revelaram que 55% dos pacientes no pós-Covid apresentaram alterações no bombeamento cardíaco. Num estudo realizado na Alemanha, 78% dos pacientes diagnosticados com Covid-19 mostraram evidência de alguma lesão cardíaca, causada até semanas depois da recuperação da doença propriamente dita”, explicou o pesquisador.
Para o presidente da Academia Nacional de Medicina (ANM), Rubens Belfort Jr., a síndrome pós-Covid é uma amostra do papel das doenças infecciosas no desenvolvimento de outras moléstias. Segundo o médico, a pandemia está trazendo novos conhecimentos sobre essa relação. Um exemplo anterior é a zika que, embora não cause problemas graves em adultos, pode levar à microcefalia nos fetos em desenvolvimento. Outro é a toxoplasmose, recentemente relacionada à ocorrência de esquizofrenia.
Segundo Carlos Alberto Barros Franco, membro da ANM e professor da Escola Médica de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o Brasil ainda está na fase da pandemia em que a preocupação mais urgente é conter a transmissão do vírus, mas os problemas decorrentes da Covid-19 vão persistir por muito tempo.
“Essa é uma preocupação de países europeus e norte-americanos, que vêm se preparando para essa segunda fase, a da síndrome pós-Covid ou Covid longa. Isso terá consequências da maior gravidade no Brasil. Haverá pessoas que não vão poder voltar a trabalhar normalmente. Então é fundamental que o Brasil se prepare”, disse o acadêmico.
Em seminário on-line, promovido no início do mês pela Academia Nacional de Medicina, pesquisadores relataram casos e apresentaram estudos, realizados no Brasil e no exterior, que demonstram as mais variadas manifestações ocorridas após a resolução da fase aguda da Covid-19. Alterações gastrointestinais, pulmonares, do fígado e das vias biliares; manifestações dermatológicas, renais e otorrinolaringológicas; problemas psicológicos e até da retina.
Como um dos efeitos colaterais da pandemia, não necessariamente ligados à doença em si, pesquisadores apontaram uma redução significativa no número de diagnósticos e tratamentos de câncer.
Segundo Paulo Hoff, diretor-geral do Instituto do Câncer (Icesp) e professor da FM-USP, a pandemia trouxe queda significativa nos exames preventivos e, consequentemente, no diagnóstico precoce de tumores.
Uma vez que quanto mais cedo ocorre o diagnóstico, maiores são as chances de cura, a pandemia deverá trazer um número maior de ocorrência de câncer e de mortes no futuro. Estudo realizado na Inglaterra estimou quase 18 mil mortes a mais por câncer naquele país por conta da interrupção dos tratamentos ou pela falta de diagnóstico.
“São dados que se repetem ao redor do mundo. Tivemos redução na ordem de 70% a 90% nos exames de rastreamento de tumores importantes como de mama, próstata e colorretais. [Houve ainda] redução significativa nas cirurgias relacionadas ao diagnóstico de câncer e, talvez mais importante, dados originados nos laboratórios de anatomopatologia mostram até 30% de redução nas biópsias de câncer nesse período. Lembrando que esses casos continuam acontecendo, só não estão sendo diagnosticados no seu estágio mais precoce, o que seria desejável”, contou o pesquisador.
O médico oncologista afirmou ser essencial que os pacientes diagnosticados mantenham o tratamento, ainda que seguindo protocolos de segurança contra a Covid-19. Além disso, pessoas saudáveis não devem deixar de fazer exames de rotina que possam detectar tumores. Pacientes em tratamento contra o câncer que tenham sido diagnosticados com Covid-19 devem retomar as terapias para os tumores entre 14 e 21 dias depois da resolução dos sintomas da infecção pelo Sars-CoV-2, alertou.
DOL
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