A Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), que investiga a atuação da Vale em território paraense e seus impactos ambientais e socioeconômicos, realizou audiências públicas nos dias 06 e 07 em Ourilândia do Norte e Redenção e reunião com moradores de comunidades rurais atingidos pelo projeto de exploração de níquel na mina Onça Puma.
A CPI ouviu relatos sobre passivos sociais, econômicos, culturais e ambientais provocados pela mineração. Os trabalhos foram conduzidos pelo vice-presidente da comissão, deputado Carlos Bordalo.
O projeto Onça Puma responde pela produção de níquel da Vale no Brasil e em 2020 somou 16 mil toneladas. A produção total da empresa somou 215 mil toneladas do metal no ano passado.
Na contramão do discurso de desenvolvimento prometido pela mineradora, os pequenos agricultores relataram que vivem isolados e sem apoio algum da empresa. Além da poluição sonora, existem graves problemas de saúde, contaminação do solo, da água e do ar, o que torna inviável a permanência no local e a prática das atividades agrícolas.
As 62 famílias da comunidade de Campos Altos são as que mais sofrem os prejuízos, por estarem mais próximas ao complexo minerário.
O presidente da Associação de Campos Altos, Otaviano José de Araújo, de 61 anos, possui uma pequena área rural, distante a 2 km da mina. Ele relatou as dificuldades que enfrenta com o início das atividades de exploração mineral.
“Aqui não tem mais condições para continuar morando. Depois que a Vale entrou na região acabou com tudo e a cada dia fica pior. Não temos mais água de qualidade, sofro com esse barulho de sirene e fuligem da produção mineral. Toda vez que a gente procura a Vale tem sempre uma desculpa, diálogo não existe”, reiterou.
Diante de um modelo de produção imposto pela mineradora que busca expandir seus negócios, por outro lado existe a exclusão de agricultores que residem há décadas na região próxima à área de mineração. A única saída é procurar outros caminhos para seguir a vida. Esse é o caso da agricultora Cássia Camargo.
“O problema de insegurança e a falta de apoio nos deixa sem saída a não ser ir embora daqui. Vender está difícil porque ninguém quer morar aqui. Estou cansada de lutar e não ver solução, então prefiro deixar, vou sentir muito, mas do jeito que está não dá mais. Mas quero indenização para sair e com preço justo”, afirmou.
Além da poluição sonora, que afeta não somente às pessoas e também os animais, a falta de condições de permanência no local vem afetando a saúde física e emocional dos moradores.
“Com as sirenes, o gado fica assustado, sai disparado toda vez que ouve o som, e muitas vezes fica machucado porque acaba caindo. Outra questão é a saúde, minha filha está com problemas respiratórios e com presença de níquel no sangue, comprovados por exames médicos. Já teve pessoas que cometeram suicídio por causa dessa situação e os casos de depressão são constantes”, destacou o agricultor Lindon Jonson Costa Neves.
“Onde a Vale entrou, as famílias tiveram que sair pela inviabilidade e falta de estrutura e apoio por parte da mineradora e da prefeitura. Onde tinha moradores, hoje é só mata e isso atraiu muitas onças pintadas para a região, o que causa grande insegurança de moradia”, relatou Antônio Bento.
“Estou preocupado porque a situação de Ourilândia do Norte inspira cuidados, nós temos famílias que não sabem como será o amanhã, e isso não se resolve há anos, não sabem se poderão ficar na área, as suas indenizações não são feitas. Por outro lado, a empresa não diz se pretende ou não requisitar a área. Existe um claro jogo de empurra onde não se leva em conta o fator principal, que é o fator humano”, enfatizou Bordalo.
Realidade
A comunidade chegou a ter 286 famílias, porém, com a chegada da mineradora, foram sentindo os impactos e preferiram deixar a área, enquanto outras áreas foram desafetadas, receberam as indenizações, mas segundo relatos dos moradores, a empresa não cumpriu com a promessa de conseguir outras áreas e os processos continuam na justiça.
O presidente do Sindicatos do Trabalhadores de Ourilândia do Norte, José Jocineis Oliveira dos Santos disse que a empresa precisa cumprir algumas condicionantes e acredita que o trabalho da CPI vai apontar soluções para o problema.
“Eu acredito que a CPI vai apontar uma solução para os moradores, A gente acompanha há 21 anos esse processo da Vale com as famílias. Não sou contra a Vale, só que ela não cumpre com algumas condicionantes que foram impactadas por suas atividades e precisam ser resolvidas. Em pleno século XXI não podemos admitir que a empresa permita que pessoas vivam nas condições que estão”, destacou.
A presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri), Ângela de Jesus criticou a falta de compromisso da empresa com os agricultores da região e pediu responsabilidade.
“Nós da Fetagri estamos do lado dos agricultores e apoiamos a CPI, porque a empresa Vale precisa ter responsabilidade social, ambiental e com a produção dos agricultores. Os danos ao meio ambiente e aos agricultores são visíveis”, desabafou.
Segurança de BarragemTendo como motivo a preocupação com a segurança de barragem do projeto Onça Puma, Carlos Bordalo visitou a barragem de drenagem de água fluvial – Dique 06. O objetivo era sanar dúvidas e buscar esclarecimentos sobre a segurança da barragem, considerada de alto risco pelo Sistema Nacional de Segurança de Barragem.
Mas de acordo com os técnicos da mineradora ela não representa risco para a comunidade, é uma barragem de controle de decantamento de retenção de minérios, ou seja não utiliza rejeitos de mineração.
Audiências Públicas
Audiências públicas foram realizadas nas Câmaras Municipais de Ourilândia do Norte e Redenção para ouvir vereadores, agricultores familiares e representantes da sociedade civil organizada a respeito dos impactos provocados pela atividade minerária na região, incluindo garimpos.
Para o professor de história, Erasmo Brito, o problema de tem que ser resolvido.
“A situação do povo paraense é de miséria, enquanto a Vale lucra com as nossas riquezas. O problema tem que ser corrigido, porque o dia que o minério acabar, a Vale também vai embora”, evidenciou.
Foto: Ozeas Santos (AID/Alepa)
Em Redenção, a audiência contou com representantes de vários municípios que desenvolvem atividades de garimpos. De acordo com o garimpeiro de Cumaru do Norte, Florêncio Silva dos Santos, a região possui cerca de 500 garimpos ilegais e aproximadamente 5 mil garimpeiros trabalham com a extração de ouro.
“Nós precisamos do apoio para legalizar os garimpos, queremos trabalhar legalizados. Cumaru do Norte hoje depende mais de 80% do garimpo e por isso é preciso que olhem para essa causa”, argumentou.
As principais violações e os problemas identificados serão alvos de recomendações aos membros da comissão, de acordo com o vice-presidente da CPI.
“Há um claro conflito na área de pequenos mineradores sem poder explorar a área e sem poder legalizar suas atividades. Há relatos de que a Vale pretende se instalar em Santana do Araguaia e vamos incluir isso no plano de trabalho da comissão. Vou encaminhar requerimento à CPI solicitando a perícia do ar e das águas e dos animais na área que cincunda o projeto”, informou Bordalo.
“As obras do Hospital Regional em Ourilândia estão em andamento, mas estão atrasadas. Vamos intensificar a fiscalização dessa obra e vou pedir que seja incluída uma ala para atender a saúde mental da população”, concluiu.
Histórico
O Projeto Onça Puma existe desde 2011, para a extração de níquel, e é licenciado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas-PA). As atividades minerárias desse projeto já causaram diversas consequências na região. O histórico de descumprimento de condicionantes por parte da mineradora tem sido recorrente, o que levou a sofrer diversos processos judiciais e, consequentemente, a suspensão das atividades.
No caso mais recente, no último dia 04, após ter sido notificada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, as operações na mina de Onça Puma foram suspensas.
Uma semana depois das operações da mina de Onça Puma terem sido suspensas pela Semas, a Vale recorreu e ganhou na justiça o direito de retornar as atividades no complexo minerário.
Processos
Em agosto de 2017, Onça-Puma teve sua Licença de Operação (LO) suspensa por decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), por conta do descumprimento de Condicionantes Socioambientais relativas aos povos Xikrin e Kayapó, inclusive o não pagamento de compensações ambientais em decorrência dos impactos causados sobre as populações.
Em 7 de dezembro de 2017 foi celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com Ministério Público Federal. Ficou acertado o pagamento no valor 38,5 milhões de compensação ambiental aos povos indígenas afetados pelo empreendimento.
No dia 2 de março de 2019 as operações foram suspensas novamente porque, no entendimento do tribunal, a Vale, estaria tentando suspender as compensações aos povos impactados.
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