Cerca de 8 mil pessoas estão nas ruas da cidade de Curionópolis, desde o começo da tarde de segunda – feira (14) devem fechar a rodovia PA-275 ao alvorecer desta manhã de terça-feira (15). É um protesto contra o que elas classificam de morosidade do governo estadual na liberação das licenças ambientais do projeto Serra Leste. O projeto começou a funcionar desde março passado e emprega 900 pessoas ameaçadas de demissão pela empresa Vale. A produção está parada.
A rodovia será fechada na entrada de Curionópolis, mas o bloqueio deve afetar quem se dirige para os municípios de Parauapebas e Eldorado dos Carajás, além dos municípios cortados pelas rodovias PA-160 e BR-155. Quer dizer, a área a ser interditada ao tráfego de veículos é um tronco viário vital para o Estado, pois permite o acesso às principais regiões mineradoras. A estrada é pavimentada em toda a sua extensão.
Os pecuaristas da região contribuiram para o protesto, oferecendo 20 bois para abate, além de comerciantes que doaram outros alimentos para que os manifestantes permaneçam na rodovia por “tempo indeterminado” até que o governador Simão Jatene ofereça uma resposta concreta sobre as razões de as licenças ambientais ainda não terem sido autorizadas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
No pedido de licenciamento protocolado pela Vale na Semas, a empresa quer aumentar a produção de minério de ferro dos atuais 2 milhões de toneladas por ano para 6 milhões, o que garantiria os empregos diretos de 800 famílias, metade delas oriundas do antigo garimpo de Serra Pelada, uma das áreas mais pobres do Pará.
“Nós estamos nos mobilizando para que esses trabalhadores não sejam demitidos, o que acabará acontecendo se o governo estadual se mantiver intransigente em empurrar com a barriga esse pedido de licenciamento ambiental para que a produção seja retomada e ampliada. Todos estão muito preocupados e os trabalhadores temem ficar sem os empregos. Isso seria muito ruim para todo mundo, principalmente para aqueles que têm famílias para sustentar”, enfatizou o prefeito Wenderson Chamon.
Fotos de Tina Santos
O secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Luiz Fernandes, declarou que o governo não tem qualquer interesse em prejudicar nenhuma empresa mineradora, mas que para concessão das licenças ambientais são necessários o preenchimento de todos os requisitos exigidos pela legislação, o que a Vale não estaria fazendo. A Vale, por sua vez, refuta o que diz o secretário e alega que satisfez as exigências e condicionantes ambientais e que não entende a razão de tanta demora da Semas na liberação das licenças.
“Temos cuidado”, diz secretário Luiz Fernandes
Segundo o secretário, ainda faltavam alguns estudos e informações por parte da Vale, mas admitiu que poderá resolver o problema nesta terça-feira, depois de se reunir com as áreas jurídica, técnica e ambiental da Semas, responsáveis pelas análises. “Temos de ter todo cuidado na análise dessa questão, porque se depois ocorrer algum problema alguém poderá dizer que foi a Semas quem liberou. Então, não podemos fazer nada apressadamente”, resumiu Fernandes.
Para o secretário, não há demora na análise do pedido da Vale, como alegam a empresa e o prefeito de Curionópolis. Os últimos documentos trocados entre a Semas e a Vale, por exemplo foram nos meses de junho e agosto. Em ofício enviado a Mariane Furtado da Costa, gerente de Meio Ambiente da Vale, no dia 19 de junho, a coordenadora da Consultoria Jurídica da Semas, Simone Vieira Rodrigues, em resposta a um documento da empresa, no qual ela apresentou impugnação administrativa às duas condicionantes da Licença de Operação do projeto Serra Leste – quais sejam, 30 dias para averbação das áreas de reserva legal a ser compensada, conforme limitação da reserva legal aprovada, além de 30 dias após a delimitação da área de proteção permamente e reserva legal por parte do Geotec e apresentação do termo de ajustamento de conduta, o TAC, por parte do setor jurídico da Semas, averbar o instrumento à margem da matrícula do imóvel.
Simone Rodrigues disse que a justificativa encontra respaldo no artigo 18, parágrafo 4º do novo Código Florestal no que tange afastar a necessidade de averbar as coordenadas da reserva legal às margens da matrícula do imóvel, ante a obrigatoriedade de inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), é verdadeira. “A sua aplicabilidade encontra-se suspensa, porque o CAR nacional ainda não está implementado em todo o país, subsistindo apenas no Pará, o que obriga a averbação nos assentamentos do imóvel”, diz ela.
Burocracia e desemprego
O segundo documento, mais recente, é da Vale para a Semas, e tem a data de 14 de agosto – ou seja, há um mês -, que apresenta “informações complementares” quanto ao atendimento das duas condicionantes impostas pelo órgão ambiental. Diz a Vale, sobre os 30 dias de prazo “para averbação das áreas de reserva legal a ser compensada, conforme limitação da reserva legal aprovada”, que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) da fazenda Timborana – que passa dentro do projeto da empresa – está em nome da Vale e o imóvel registrado em cartório no nome do antigo proprietário, Hamilton Coelho Braga. Para realizar a averbação do CAR na matrícula da fazenda Timborana, este imóvel deve estar registrado em nome da Vale.
De acordo com a Vale, para atender essa condicionante da Semas, a empresa “empreendeu diversos esforços após a aquisição da área”. Para que a transferência da área registrada em cartório seja efetivada, “faz-se necessária a averbação da certificação do georreferenciamento do imóvel”. Em resumo: ” a averbação do georreferenciamento depende da certificação do georreferenciamento do imóvel e do pagamento do Certificado do Cadastro do Imóvel Rural (CCIR) de 2010 a 2015.
É o que a Semas exige para conceder a Licença de Operação do projeto Serra Leste, já prevendo o aumento da produção para 6 milhões de toneladas anuais de minério. O fechamento da estrada pela população de Curionópolis, contudo, mostra que, contra a burocracia do Estado, a necessidade de manter os empregos e alimentar bocas famintas está acima de papéis e carimbos.
Reportagem de Carlos Mendes Jornalista investigativo, correspondente de “O Estado de São Paulo” no Pará e de “O Correio”, o jornal de Carajás.
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