Antes, um rio que representava a vida para a comunidade Xikrin, o Rio Cateté, que dá nome a reserva onde eles vivem, localizada entre os municípios de Ourilândia do Norte, Parauapebas e São Félix do Xingu, agora agoniza lentamente pela poluição da extração mineral do Projeto Onça Puma, da mineradora Vale, e virou sinônimo de morte para o povo da reserva Cateté.
A poluição da água com metais pesados está causando danos irreversíveis a saúde dos índios e acabando com os peixes. Os poucos que ainda existem estão contaminados. Com isso, os nativos já apresentam sérios problemas de pele e intestinais, sem contar os casos de crianças que estão nascendo com má-formação, que teria ligação direta com o consumo da água do rio poluído, acreditam os Xikrins.
Preocupados com o futuro do seu povo, os líderes das aldeias Ôôdja, Cateté e Djudjê-Kô avisam que estão cansados de esperar por decisão judicial quanto ao pagamento das compensações a que tem direito pela extração mineral do Onça Puma, cujos processos resultaram em condenação da Vale a pagar R$ 1 milhão mensal para cada aldeia, e dizem que se até o mês que vem não houver avanços nesse processo, que está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), irão ocupar e paralisar o projeto.
“A gente já nem quer mais dinheiro, quer que a Vale saia das nossas terras”, Diz Onkrerai Xikrin, filho do cacique Botiê, hoje o mais antigo da aldeia. Ele acompanhou a equipe de Reportagem do CORREIO até as margens do Rio Cateté, na área da aldeia onde mora, a Djudje-kô, para mostrar as condições em que o rio, antes de água pura e cristalina, se encontra hoje.
A liderança indígena lembra que até 1985, a água do Cateté era tão cristalina, que se via o fundo a metros de distância. “Hoje está tão turva pela poluição que a gente não vê nada. Há muitas crianças aqui com cicatriz na cabeça, que se feriram em pedras ao mergulhar no rio por falta de visibilidade”, relata Onkrerai.
Cenário
Ele também afirma que o nível do rio a cada ano vem diminuindo. Hoje, boa parte dele está com margem estreita e cheia de pedras, que antes ficavam submersas. Esse cenário mostra, segundo os índios, que o velho Cateté, berçário de vida, virou prenúncio de morte.
Olhando desolados para o rio, os índios que acompanham Onkrerai durante a reportagem, no idioma nativo, também fizeram sua manifestação contra a Vale e relataram a dor que sentem ao ver o Cateté da porta de casa e não poder mais tomar banho e nem pescar em suas águas. A índia Igreikrati Xikrin diz que tudo o que querem é voltar a tomar banho e pescar, como antes.
Com um pedaço de pau nas mãos [como se quisesse defender o patrimônio da floresta com objeto tão tosco] ela firmou que a Vale só trouxe a morte para seu povo e que a mineradora mente quando afirma que o Cataté não está contaminado. “Ninguém pode mais comer o peixe, porque passa mal. Não podemos tomar banho, porque ficamos com problemas nos olhos e coceira na pele”, relata.
Também chamando a Vale de mentirosa, a índia Painhotire mostra as pernas com as marcas de feridas provocadas elas micoses da água contaminada. Ela diz que todos que tomam banho, porque é hábito deles fazer isso, ficam com problemas na pele.
O guerreiro Pantucle Xikrin lembrou que da última vez que pescaram no rio, com o timbó (planta usada para envenenar os peixes na água), que é parte da cultura ancestral deles, todos que consumiram o peixe passaram mal. Segundo Pantucle, até os animais que sempre serviram de alimento para eles estão desaparecendo sob a suspeita de que também são vítimas do rio contaminado.
Nota da Vale
Em nota enviada à Redação do CORREIO na noite desta sexta-feira (21), a Vale informa que o empreendimento Onça Puma, em Ourilândia do Norte (PA), está devidamente licenciado pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (SEMAS), com atendimento de todas as condicionantes estabelecidas pelo órgão ambiental.
Sobre a qualidade da água do rio Cateté, a empresa disse que todos os procedimentos de monitoramento exigidos pela Semas são rotineiramente cumpridos e encaminhados para o órgão licenciador. A análise de amostras realizadas pelo Instituto de Perícia paraense não demonstra a contaminação por níquel, e a presença de elementos minerais no rio decorre da condição geológica da região, não tendo qualquer relação com a atividade minerária.
A empresa reforça que mantém o diálogo respeitoso com as comunidades indígenas, e que desenvolve projetos de produtividade e infraestrutura junto à comunidade Xikrin, repassando às três comunidades indígenas cerca de R$ 13 milhões por ano, valor corrigido mensalmente pelo IPCA. O recurso é repassado desde dezembro de 2006 e já totaliza um montante de mais de R$ 70 milhões.
Comunidade relata casos de má-formação em bebês
Segundo o técnico de enfermagem, Ikrô Caiapó, que trabalha há 18 anos na aldeia Cateté, desde 2008 que os índios começaram apresentar casos de doenças de pele, problemas pulmonares, câncer, problemas oculares sérios e agora má-formação também. Na aldeia Djudje-kô nasceram seis crianças de 2013 para cá, duas morreram e três estão vivendo dependendo da ajuda das pessoas.
Segundo ele, são doenças que têm ligação direta com a contaminação do rio. Ele afirma que um médico de São Paulo que atendia a comunidade proibiu os índios de usarem o rio, porque estava contaminado e as doenças que apresentavam era em decorrência disso. “Mas nossa vida é o rio. Então, é difícil proibir índio de tomar banho”, ressalta.
A técnica de enfermeira Felisebela Silva afirma que a situação de saúde deles só não é mais grave porque a Associação Kararekre, dos próprios índios, não deixa faltar medicamento no posto de saúde e agiliza a transferência para o hospital de Carajás dos índios que apresentam enfermidades mais sérias. “Se fosse depender da saúde da Funai, a coisa era mais grave”, destaca.
Farinha
A contaminação do rio mudou também a tradição da comunidade de fazer farinha, cultura, sempre feita com a mandioca depositada no rio, para fermentar. Agora esse processo é feito em tambores, sendo muito mais trabalhoso para eles, por conta da poluição.
Na casa de farinha da aldeia, os índios lembram dos tempos em que o rio era fartura de peixe, fonte de água e a vida deles, de um modo geral. “Era outra vida, que a Vale, mentirosa, acabou”, diz um deles.
(Tina Santos)
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