Meta de aumentar participação no PIB é considerada bastante ousada
O Governo anunciou uma série de medidas com vistas a revitalizar o setor mineral, tão combalido pela queda dos preços e pelas trapalhadas do governo anterior. A meta é aumentar a participação relativa no PIB de 4% para 6%, um objetivo bastante ousado já que traduz incremento de 50% nas receitas oriundas da atividade. Além disso, busca-se restaurar a credibilidade do setor, severamente abalada pelo viés discricionário e intervencionista que emprestava contornos à malfadada proposta de novo marco regulatório que esteve em pauta nos anos Dilma.
Muitas são as medidas a serem anunciadas, dentre as quais se destacam: (i) reestruturação da CFEM para aumentar a sua base de cálculo e alíquotas; (ii) reformas pontuais no Código de Mineração; (iii) atualização e aperfeiçoamento do Regulamento do Código (defasado em relação ao Código); (iv) flexibilização na normatização de faixa de fronteira; (v) mudança dos procedimentos de disponibilidade e oferta ao mercado das áreas detidas pelo DNPM; (vi) extinção da RENCA; (vii) criação da Agência Nacional de Mineração em substituição ao DNPM.
Reestruturação da CFEM
Mesmo destacando a censura que a majoração das alíquotas e ampliação da base de cálculo da CFEM merecem – visto que, mesmo traduzindo simplificação na sistemática de apuração, redundarão em aumento da mordida do governo –, as demais medidas são elogiáveis, mesmo considerando bastante duvidosa a possibilidade de propiciarem o pretendido aumento da participação da mineração no PIB.
Reformas pontuais no Código de Mineração
Para tranquilidade do setor, não há nenhuma referência a novo marco regulatório, já que é consenso que bastam mudanças pontuais que preservem a estrutura do Código de Mineração. Isso porque, ainda que carente de reformas, foi sob a sua vigência, ao longo de cinco décadas, que praticamente todo o patrimônio mineral brasileiro se erigiu: Carajás, Trombetas, Paragominas, Catalão, Tapira, Serrinha, Araxá, Lagoa Real, Onça-Puma, Pitinga, Niquelândia, Barro Alto, Cana Brava. Vale ainda lembrar que, no período compreendido entre 2002 e 2012, a produção mineral brasileira cresceu 550%.
A parcial reforma do Código será muito bem-vinda, pois deverá introduzir alterações bastante coerentes com a realidade prática do setor. Assim, a possibilidade de se conduzir pesquisas minerais no interregno entre a apresentação do relatório final de pesquisa e a portaria de lavra, a ampliação do prazo de alvarás de pesquisa, as melhorias na sistemática da servidão de mina, a possibilidade de redução de área em requerimentos de pesquisa, ao longo da sua tramitação, devem constar dos planos do governo. Dispositivos que tratam de assuntos como esses são obscuros, omissos ou sem qualquer proveito prático e reclamam alterações há muito tempo.
Aperfeiçoamento do Regulamento do Código
A atualização do Regulamento do Código, da mesma forma, possibilitará que vários dispositivos, desatualizados em relação ao Código, sejam atualizados ou simplesmente eliminados. A medida facilitará a compreensão dos direitos e obrigações dos mineradores que, atualmente, se vêm obrigados a recorrer a uma infinidade de atos dispersos, de hierarquia inferior, tais como portarias, pareceres ou instruções. Isso porque a parcial reforma do Código, em 1996, pela Lei 9.314, gerou um descompasso com o Regulamento, que se manteve inalterado, mantendo previsões e conceitos que não mais se aplicam.
Flexibilização de faixa de fronteira
Igualmente importante é a flexibilização das limitações impostas a projetos em faixa de fronteira. Por impor exigências e restrições sem qualquer proveito ou benefício prático em aproximadamente 27% do território nacional, a normatização aplicável, de claro viés militar, acaba por traduzir a melhor expressão do chamado ” Custo Brasil”. Qual o sentido prático, por exemplo, em se exigir comprovação documental de que 51% do capital da empresa mineradora situada em faixa de fronteira é detida por brasileiros quando, nas de capital aberto, a sua composição societária é alterada diariamente?
Oferta de áreas detidas pelo DNPM
A oferta ao mercado das áreas detidas pelo DNPM por meio de nova sistemática de leilões online, baseados na melhor oferta financeira (e não mais na melhor oferta técnica), a elas se agregando o conhecimento geológico desenvolvido pela CPRM, deve ser muito bem recebida pelo mercado. Infelizmente, apesar de louvável, não se consegue vislumbrar, com clareza, qual será o seu alcance prático. Isso porque, informações oficiosas dão conta de que, na maioria dos procedimentos de disponibilidade realizados, a única oferta apresentada é do próprio minerador que detinha a área, donde resulta que, em boa porção delas, não haverá interessados.
De qualquer forma, a novidade é muito positiva uma vez que, ao mesmo tempo em que deverá propiciar a redução dos questionamentos administrativos e judiciais, é mais transparente e célere e deverá propiciar o rápido retorno ao mercado das áreas colocadas em disponibilidade, pela outorga decorrente do procedimento de licitação ou, caso não haja interessados, deixando-a livre para novos requerimentos.
Extinção da Renca
Sem surpresas e em estreita sintonia com as diretrizes que vêm sendo anunciadas desde o início do atual Governo, foi publicada no Diário Oficial da União de 07/04/2017 a Portaria 128, de 30 de março de 2017, que já pavimentava o caminho para a extinção da Reserva Nacional de Cobre (Renca). Criada pelo Decreto 89.404 de 24 de fevereiro de 1984, a Renca situa-se entre os estados do Pará e Amapá e tem aproximadamente 33 mil km² de área, sendo, portanto, maior do que o estado de Sergipe.
A Reserva tinha por objetivo declarado garantir que a prospecção e lavra nesta região notoriamente conhecida como “uma província mineral substantiva” se desenvolvessem sob um regime especial. Ao mesmo tempo, vislumbrava-se no expediente instrumento de política social, integração nacional e segurança nacional, seja qual for a definição que se confira a este último. Contudo, em mais de 30 anos nenhum projeto foi implantado na região já que a CPRM nada fez para desenvolver o conhecimento geológico. Assim, na prática, os efeitos alcançados foram contrários aos pretendidos, transformando-se a sua área em um reduto de garimpagem e mineração ilegal.
Agência Nacional de Mineração
De todas as mudanças propostas, a transformação do DNPM em Agência Nacional de Mineração deverá ser a de maior alcance, ainda que não no curto prazo. Isso porque neste momento está se fazendo o possível, e não o desejável. Assim, até onde se sabe, as medidas de natureza econômica que deveriam ser inerentes à criação de uma agência, serão postergadas, limitando-se a medida, inicialmente, à mera transformação da autarquia em agência. No longo prazo, os benefícios serão muitos e facilmente percebíveis. Além de impedir a captura política dos seus dirigentes, impedindo que pessoas sem qualquer afinidade ou conhecimento do setor assumam cargos de direção, esta mudança deverá garantir, futuramente, estrutura e dotação orçamentária adequadas, com melhores condições de trabalho para os servidores, solucionando problemas que reconhecidamente afetam o DNPM.
Quem milita no setor sabe que não são poucos os exemplos de atos – muitas relacionados à projetos milionários – que demoram muito mais do que deveriam em decorrência da absoluta falta de estrutura mínima, tal como veículos, combustível ou diárias. Assim, desde que não se repita a constante e frequente infração que é perpetrada contra o DNPM quando não lhe são repassados os recursos oriundos da CFEM, instituídos nas Leis 7.990/1990 e 8.001/1990, a Agência deverá contar com fonte regular e firme de recursos e, portanto, meios para efetuar a regulação e fiscalização do setor.
Infelizmente, há muitos temas que, apesar de constituírem antigo pleito do setor, não serão tocados e permanecerão no vácuo. O monopólio de minerais nucleares e a mineração em terras indígenas são exemplos de matérias que há tempos reclamam regulamentação específica ou reforma. Em todo caso, apesar da censura ao incremento de custos decorrente da nova CFEM, a importância das medidas não se limita às mudanças introduzidas, mas também à própria positividade da mensagem que é transmitida de respeito aos contratos e não intervenção.
Pesquisa realizada pelo Instituto Fraser em países da África dá conta de que as decisões de investimento são norteadas 60% por aspectos geológicos e 40% por aspectos políticos – leia-se ambiente político e econômico amistoso e estável. Assim, em franco contraponto ao governo anterior, o viés é de respeito aos contratos e protagonismo do setor privado na pesquisa mineral. Sem intervencionismo ou discricionariedade. Estas são – e devem ser sempre – as “pedras de toque” da regulação de um setor que, por ser de longo prazo e intensivo em capital, reclama regras estáveis.
A cereja do bolo seria o sepultamento, de vez, do PL 5.807/13 que buscou instituir o novo marco regulatório, mediante a sua simples retirada do congresso. Como não se sabe se o governo, de fato, eliminará esta excrescência, fica o alerta de que de nada adiantarão todas as medidas adotadas se continuar a pairar sobre o setor a proposta de novo marco regulatório, de triste lembrança.
Por Marcello Ribeiro Lima Filho*
(*) Marcello Ribeiro Lima Filho, sócio de Lima Feigelson Advogados, professor da Escola de Negócios da PUC/RJ e coordenador do livro “Desafios jurídicos na implantação de grandes projetos de mineração e infraestrutura”, publicado em 2013 pela Editório.
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