Nem lembro bem quando eu conheci o Netinho. Acho que as pessoas mais incríveis que passam pela vida da gente não têm um início ao certo. Faça você este exercício e tente se lembrar de como se aproximou das pessoas mais importantes da sua vida. É bem difícil, não? Com o Netinho é exatamente assim.
Nossa amizade sempre foi meio improvável, já que ele é, no mínimo, uns 30 anos mais velho do que eu, foi um dos melhores amigos de infância do meu pai e morávamos em cidades diferentes. Só nos víamos no período de férias, mas a cada encontro nossas prosas cruzavam as madrugadas. Eu amava ouvir as suas histórias de ex-jogador amador, porém craque, do interior do Maranhão. Gostava das suas histórias sobre o ouro de tolo da Serra Pela, do seu fracasso no garimpo, da sua esperança de que um dia ainda houvesse chances de ficar rico, honestamente, com uma nova febre do ouro completamente dentro da lei… A esperança sempre acompanhou meu amigo.
A mesma esperança que o trouxe para perto de nós, na busca por um trabalho e melhores condições de vida para a família. Família bem grande, inclusive. Os meninos, 4, e a dona Rita, que todas as tardes em que ele estava de serviço levava cuscuz com manteiga e leite com achocolatado para a portaria da qual ele era segurança. Por ter um coração maior que o mundo, o lanche da tarde do Netinho era sempre devorado por um outro trabalhador espertalhão que abusava da boa vontade sem fim do meu amigo.
Nunca vi ninguém amar tanto o Roberto quanto ele. Sabia a letra de todas as canções e não escondia a sua paixão desmedida pela voz e pelo romantismo do rei. O engraçado é que em todos os especiais do rei na Globo, ele estava de plantão na portaria e isso o revoltava. Mas ele sempre dava um jeito para ver de perto as novidades do especial: pedia para alguém ficar para ele em seu lugar por 2 minutos e sumia por quase uma hora. O desafortunado da vez não podia abandonar a guarita e o esperava pacientemente. Na volta, Netinho ouvia satisfeito as reclamações dos revoltados auxiliares não remunerados de portaria. A alma estava lavada, pois a poesia de Roberto estava renovada em si por mais um ano.
Netinho viu um especial de Roberto pela última vez em dezembro de 2007. Em janeiro, ele nos acompanhou até Marabá para uma viagem em que ele faria uma consulta médica por conta de dores na coluna.
Foi a última vez que eu vi o Antônio Neto.
Meu amigo morreu 8 meses depois, em agosto, vítima de um câncer intratável.
Ainda fico me lembrando, quase 10 anos depois de tê-lo visto pela última vez, das coisas que eu deveria ter dito a ele e não disse. Deveria tê-lo alertado que ele estava ficando magro demais e que isso nem sempre é bom. Devia ter dito também que o futebol diário das férias não era o mesmo sem ele e ter perguntado qual era o problema que o fazia não estar treinando já há semanas.
Devia ter dito a ele o orgulho que era poder ser seu amigo. Devia ter dito que ele estava magro demais… Como me arrependo de não ter dito isso. Talvez, ele tivesse buscado tratamento antes… Mas o que mais me dói não ter dito é que eu o amava profundamente, de todo o coração e que amigos como ele o tempo não leva nunca.
Nunca vou esquecer de cada conselho seu, de cada vez que me fez rir. Lembro de não ter chorado ao saber da sua partida, mas lembro de uma alma em estilhaços, um amargor sem fim feito fel na boca.
Vez por outra minha família, em suas reuniões, ainda se lembra dos bons momentos que tivemos com o Netinho. Meu pai até hoje diz que, para ele, o Netinho parece continuar vivo e justifica isso pelo fato de não tê-lo visto morrer, nem ter ido ao seu enterro.
Em mim, a certeza é de que o Netinho não morreu mesmo. Lembro ainda que 1 mês antes da morte dele, a esposa nos encontrou e disse que ele havia mandado um abraço a todos nós e que em breve nós nos encontraríamos novamente. Ele sempre esteve certo sobre todas as coisas, só errou nesta previsão.
Mas Antônio Neto é um sobrevivente e mesmo uma década depois de ter partido, as suas memórias continuam por aí, vivas, pulsantes, eternas. Nunca mais assisti a nenhum especial do Roberto. Perdeu a graça.
Mas meu amigo sobreviveu e isso é o conforto que eu preciso para levar a vida adiante. A esperança está sempre a frente e o desejo é de sobreviver também, bem como ele. Lembrar do Netinho é vasculhar nas lembranças um tempo em que os dias eram mais ensolarados e as pessoas bem mais felizes.
Comentários com Facebook