Pode ser difícil e trabalhoso, mas o amor e a compreensão, acima dos preconceitos e das idealizações, é o melhor caminho
Nesse último mês, comecei a ler um livro muito interessante chamado “Longe da Árvore: Pais, filhos e a busca da identidade”, escrito pelo norte-americano Andrew Solomon. Inspirado em sua própria experiência (o autor foi diagnosticado com dislexia na infância, o que foi bem recebido e aceito pelos pais, e mais tarde se assumiu homossexual, o que foi mais difícil em seu ambiente familiar), Solomon escreveu este livro após anos de pesquisa e entrevistas sobre crianças que “caíram longe da árvore” das mais variadas maneiras, ou seja, crianças que tinham características ou condições que não eram compartilhadas pelos pais e como isso se refletia na dinâmica familiar.
A relação entre um pai e um filho começa muito antes do nascimento em si. Começa no imaginário do pai que supõe que o filho vai ser o mulherengo da turma; na mãe que pensa em como vai ser levar a filha com um vestido florido para passear no parque; quando dizem “nossa, ele vai ser jogador de futebol” porque o bebê chuta muito na barriga; ou quando pensam no nome da criança e com quem ela vai se parecer mais. Ou seja, muito antes da criança vir ao mundo, ela já está marcada por uma série de projeções e idealizações dos pais. E isso apenas continua após seu nascimento e durante seu crescimento.
Algumas dessas ideias se concretizarão de fato, mas muitas delas não. O filho pode mesmo vir a se tornar um exímio jogador de futebol. Ou não. Talvez seja ele quem queira usar o vestido florido para ir ao parque acompanhar a mãe. A filha pode ser muito parecida com a mãe e também vir a ser a “mulherenga” da turma. É fato que lidar com a sexualidade é sempre complicado, a própria e a alheia, mas para pais de filhos LGBTs isso parece ser algo mais difícil ainda.
Num mundo em que por muito tempo, e até agora, o padrão é uma “sexualidade heterossexual”, não é de todo estranho que os pais presumam e desejem que seus filhos sejam heterossexuais, e podemos pensar em algumas razões para isso. Primeiramente, por eles próprios serem heterossexuais (isso muda com o fato de termos mais recentemente famílias formadas por pais LGBTs assumidos); mas há outras possíveis razões também: por um preconceito internalizado pela sociedade em que vivem e foram criados; por saber das dificuldades que um filho não-heterossexual irá sofrer apenas por ser LGBT; pela ideia de que, devido ao fato de os filhos serem LGBT, não terão netos; entre outras tantas possíveis em cada caso particular.
Dito isso, há o momento em que as expectativas e os sonhos de cada pai são postos em xeque pela muitas vezes dura realidade. A realidade de que os filhos são sujeitos pensantes e independentes, e não apenas uma extensão dos pais, e de que suas decisões, atitudes e preferências nem sempre corresponderão às ideias e aos ideais preconcebidos por aqueles. Essa constatação pode ser algo muito difícil de se lidar e as ações tomadas a partir daí podem afetar e muito a relação entre pais e filhos.
Apesar de hoje haver mais informação e mais visibilidade e engajamento da sociedade no combate ao preconceito contra a comunidade LGBT, há muito ainda a ser feito. Uma parcela significativa da sociedade, inclusive políticos e governantes, manifesta aberta ou veladamente sua discriminação. Os pais não estão isentos disso. Frequentemente ficamos sabendo de histórias de pais que “surtam” ao saber que um filho é LGBT: frases como “você não é mais meu filho” ou “onde foi que eu errei” e atitudes como expulsar o filho de casa ou tentar “curá-lo” não são tão incomuns e podem trazer muita dor e sofrimento a ambas a partes.
É importante que os pais possam pensar as relações com seus filhos para além de suas idealizações, não impondo a concretização de suas expectativas como condição para seu amor e seu cuidado. “Parenting is no sport for perfectionists” (algo como: Ser pai não é um esporte para perfeccionistas), diz Solomon em seu livro. Podemos entender que os pais não são perfeitos e muitas vezes não sabem o que fazer, estão em posição constante de aprendizado e de dúvida, o que com certeza gera angústia e incerteza de como agir. Mas também precisamos levar em conta que um filho que se assume LGBT, no mundo em que vivemos, está em situação de muita vulnerabilidade e fragilidade, e necessita de um olhar mais cuidadoso de seus pais, para que possa ter garantido um espaço de aceitação e segurança pelo menos dentro de casa.
No livro de Solomon, cada capítulo é dedicado a um assunto específico (surdez, síndrome de Down, autismo, transgêneros, crianças fruto de estupro, etc) e, apesar de explicitarem como todas essas formas de diferença podem se tornar dolorosas e desconfortáveis dentro da família, ao mesmo tempo evidenciam o amor e o carinho dos pais ao tentarem lidar com algo que eles não compreendem e não é compartilhado por eles. Pode ser difícil e trabalhoso, mas me parece que o caminho do amor e da compreensão, acima dos preconceitos e das idealizações, nesses casos, é o que garante um final mais feliz, tanto para pais como para filhos.
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