“Só quem foi vítima de violência doméstica sabe o quanto machuca. A dor não sai da cabeça da gente”. A declaração é de Nilma Infran, que foi agredida pelo padrasto quando criança, e mais tarde pelo ex-marido. Apesar de todo o sofrimento, teve forças para reconstruir sua vida e ajudou amigas na fundação da Organização Não Governamental (ONG) Associação das Mulheres Independentes na Ativa do Município de Anastácio (Amina), que dá amparo e capacitação profissional a mulheres vítimas de violência, e também aos filhos delas.
A história de Nilma se mistura a muitas outras que surgem diariamente. Segundo levantamento do ano passado feito pela Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para cada mil moradoras do Estado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) tem a demanda média de 13,2 novos processos.
Baseada no contingente populacional feminino, a taxa proporcional é a maior do Brasil e está à frente de estados como o Distrito Federal, que vem em segundo lugar com 11,9 casos novos a cada mil mulheres residentes. Em terceiro lugar, está o Rio Grande do Sul, com 11,5 processos a cada mil mulheres residentes. Em quarto lugar, vem o Mato Grosso, com 10,5 casos a cada mil mulheres, e em quinto, o Acre, com 10,2 processos a cada mil mulheres residentes.
Nilma garante que o cenário é reflexo do descaso da população com este tipo de crime, apesar de todas as políticas públicas de enfrentamento e de penas mais duras. “Quando eu pedia socorro, me ignoravam. Agora, falo da minha história e outras pessoas continuam a me dizer que é passado, que é algo banal que já passou e que não devo me importar, mas a dor não sai da minha cabeça. A gente sofre e a sociedade não quer nos escutar quando nos propomos a falar e buscar maneiras de combater”, explicou.
Em todo o ano de 2018, a Justiça sul-mato-grossense registrou 17.789 novos casos, dentre os quais 8.489 tiveram medidas protetivas concedidas. Em 2017, haviam sido registrados 17.576 novos casos, com saldo de 7.152 medidas protetivas concedidas.
HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA
Natural de Jardim, Nilma nasceu em 1969. Filha de pais separados, morou com os avós até os sete anos, quando a mãe se casou. Elas foram morar com o padrasto em Aquidauana, e conta que o homem a agredia física e psicologicamente quase todos dias, sem motivos aparentes. “Não tinha jeito. Ele ma batia todo dia. Se eu passasse perto dele, ele me agredia, se eu passe longe, gritava comigo”, conta. O sofrimento durou até os 14 anos, quando cansada de pedir socorro à mãe, que não lhe dava ouvidos e apoiava o padrasto, decidiu reagir.
“Eu era ingênua. Só apanhava e não saía de casa para nada. Um dia, fui para a igreja com uma amiga e passei na frente do circo. Nunca tinha visto aquilo e fiquei maravilhada. Não me dei conta e acabei perdendo a hora. Quando cheguei em casa, mais tarde do que o previsto, ele já estava me esperando na porta de entrada. Quando começou a me bater, reagi, e disse que ele não tinha mais direito de fazer aquilo, porque não era meu pai”.
Nilma fugiu para a casa dos avós que, na época estavam morando em Aquidauana, e não voltou mais para o convívio com a mãe. Quando tinha 17 no entanto, os avós morreram e precisou morar novamente com mãe e o padrasto. Ela já não apanhava mais, mas não suportava as brigas constantes da mãe com o padrasto, e foi morar sozinha. “Eu já estava trabalhando e aluguei meu cantinho. Não suportava tanta violência por todos os lados”.
Aos 24 anos ela se casou. No entanto, o homem que deveria ser um companheiro, se tornou vilão. “Só me batia. Não sei se transferi os traumas da infância para aquele relacionamento, mas ele só me agredia. Me humilhava na frente das outras pessoas e chegava a me deixar passando fome. Sofri até os 28 anos, quando incentivada por uma amiga, aproveitei que ele tinha viajado e saí de casa. Fui para a casa da amiga e fiquei por lá até terminar de construir minha casa em Anastácio, onde moro até hoje.”
AMINA
Logo depois da separação ela ficou desempregada e foi trabalhar em campanha política, oportunidade em que conheceu outras mulheres, suas amigas até hoje, que também eram vítimas de violência. Elas procuraram a prefeitura e o Sebrae, e fundaram a ONG. “Começamos com 12 mulheres e hoje temos 43 famílias. Além das mulheres, também atendemos os filhos delas e crianças da região, por meio do Programa Criança Esperança. Damos cursos profissionalizantes e atividades culturais e esportivas”.
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