O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está participando de um novo projeto teatral. Depois das últimas experiências realizadas com a ópera Café, a partir do texto de Mário de Andrade, e do filme A Fala da Terra, feito a partir de uma peça montada pelo coletivo Banzeiros; o novo projeto consiste em uma parceria com o premiado diretor suíço Milo Rau, do grupo NTGent, para a montagem de uma versão de Antígona, uma das mais encenadas tragédias gregas, escrita originalmente por Sófocles.
Os ensaios de Antígona na Amazônia estão chegando em seu dia “D”: na próxima segunda-feira, 17 de abril, a Rodovia PA-150 será palco político de resistência, tomada pelo MST e toda a equipe do diretor de teatro Milo Rau. A data marca os 27 anos do massacre, e foi instituída como Dia Internacional da Luta Camponesa.
Uma das principais cenas da peça será realizada no acampamento Pedagógico Oziel Alves. Trata-se de uma reencenação do Massacre de Eldorados do Carajás, no próprio local onde o massacre foi realizado, na curva do S, com cerca de 300 militantes do MST.
Em cena, os integrantes da peça representarão a releitura da memória do massacre “Para que o que aconteceu nunca seja esquecido”, anunciam os Sem Terra.
A montagem da obra contará com cenas gravadas em assentamentos do MST, em aldeias indígenas, reservas florestais. E terá sua estreia internacional no próximo dia 13 de maio, no Teatro NTGent, na Bélgica. A peça também já conta com apresentações agendadas na Holanda e na Alemanha, antes de ser apresentada como uma das principais atrações em um dos mais renomados festivais internacionais de teatro do mundo, o Festival de Avignon, na França.
Teatro popular em zonas de conflito
Reconhecido internacionalmente por seu trabalho que combina formas de teatro documental com ficção, realizado por vezes em zonas de conflito, a proposta inicial apresentada por Milo Rau consistia em partir do texto de Antígona, a clássica tragédia grega de Sófocles, para refletir sobre as contradições do mundo contemporâneo. Entre as várias versões de montagens da peça, podemos mencionar a de Brecht, abordando o nazismo.
O projeto com o MST iniciou em 2019, com visitas ao acampamento Marielle Vive, em São Paulo, onde cogitou-se a ocupação como um dos possíveis locais para a encenação. Também foi analisada a possibilidade de fazer o trabalho na Bahia, articulando com a histórica luta de Canudos e as influências cristãs entre os povos oprimidos.
Por fim, optou-se por Eldorado do Carajás, no Pará, como palco dos trabalhos, no estado com um dos maiores índices de conflitos no campo e violência na luta pela terra, simbolizado sobretudo pelo emblemático caso do Massacre de Eldorado dos Carajás.
O projeto trás pluralidade e representatividade através de um elenco formado pelas atrizes e atores do NTGent de Milo Rau, com integrantes do MST de diversos estados do Brasil, como integrantes da Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré e do coletivo de Teatro Banzeiros, também como com sobreviventes do Massacre de Eldorado do Carajás.
A personagem Antígona será interpretada pela ativista indígena e atriz Kay Sara, do povoado de Iauaretê, localizada na fronteira com a Colômbia, no Estado do Amazonas. Além dela, haverá também um coro gravado com indígenas do povo Gavião em Marabá/PA.
Outra figuras centrais da tragédia, a personagem Ismene, será representada pela militante Gracinha Donato, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Já a atriz Célia Maracajá, que havia trabalhado no Teatro de Arena com Augusto Boal, também estará no elenco, assim como uma das figuras históricas do teatro brasileiro, o ator e diretor Zé Celso, que também participa do projeto.
Interpretando uma das vozes conselheiras representada pelos sábios anciões, o profeta Tirésias será representado pelo ativista indígena Ailton Krenak. A montagem da peça iniciou em março de 2020, sendo interrompido pela pandemia da covid-19 e depois de 3 anos retoma suas atividades no sudeste do Pará.
A proposta estética da encenação de Milo Rau desenvolve uma elaborada articulação entre a produção cinematografia e a atuação presencial. A combinação entre imagens filmadas e a atuação presencial no palco é uma das principais características de seu trabalho.
A abordagem do texto clássico construída no diálogo entre a equipe de Milo Rau e o MST parte da tragédia que se desenvolve em torno da contradição entre os impactos de um modelo de desenvolvimento destruidor da natureza e que elimina os conhecimentos e tradições dos povos originários, dos camponeses e dos povos das terras, além da própria eliminação desses povos.
A violência que marca a luta pela terra no Pará, uma região de forte enraizamento de forças de extrema-direita e conservadoras, violência da qual Massacre de Eldorados dos Carajás constitui um infeliz exemplo, estrutura a narrativa da peça. A violência do agronegócio na região, assim como a dos processos de mineração, configuram o pano de fundo para a tragédia que questiona os limites desse modelo.
Como disse Ailton Krenak durante os ensaios, “o mundo caminha a passos largos para sua destruição. Precisamos fazer algo imediatamente, não podemos esperar”.
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