Mário filósofo já foi tema de muitas crônicas minhas. Na época o achava meio estranho, sofrendo das faculdades mentais; hoje sei que era uma pessoa especial, profundo conhecedor da alma humana, um autodidata que distribuía pequenas filosofias como presentes matinais. O camarada sabia tudo da fauna e da flora, até os nomes das árvores da floresta ele sabia de cor e salteado. Às vezes ele se embrenhava na mata para caçada – deve-se dizer que naqueles tempos não tinha essa coisa de Ibama – mas ele só caçava só o que poderia consumir . A verdade é que Mário trafegava entre o folclórico e o místico. Arrancava risada dos gaiatos e a admiração dos mais velhos. No batistério era Mário dos Prazeres. Mário Só, Vei Mário, Mário Terecô era para os da língua solta ou para os “cabocos” e corocas que não tinham absolutamente nada para fazer. Espalhavam que nas noites de lua nova ele virava lobisomem e ficava a perambular nas estradas empoeiradas da região, a fazer visagem e assustar moradores com seus uivados e lamentos. Provar muito bem provado ninguém ainda conseguira, mas, sabem como são essas histórias, quando caem na boca do povo… Mário nunca se importou com o falatório do povo, ao contrário, inconscientemente ou conscientemente dava corda, ao cultivar hábitos estranhos como circular pelas estradas com um casal de cães que ele chamava Mira sol e Mira Lua. Os perdigueiros eram tratados como filhos e por vezes ouviam o filósofo contar as peripécias do dia, nos mínimos detalhes, como se não as tivessem presenciado. Assexuado ele não era, mas o seu estilo de vida pouco ajudava na tarefa de arrumar uma namorada, um companheira nem que fosse para juntar os trapos e esquentar os ossos nas noites de frio. Por conta disso, ele continuou dividindo a vida apenas com Mira sol e Mira lua, que o conheciam como a palma da mão. Quando o verão chegava era comum vê-lo atravessando o rio, rumo às ilhas. Na proa, os perdigueiros faziam festa. Nessa época do ano, Mário pescava 15 dias ininterruptos e quando voltava ao continente trazia a canoa abarrotada de curimatás e píaus, que ele salgava e colocava em girais de mororó, no oitão do barraco. Seu cardápio seria complementado de arroz, mandioca, farinha e carne de caça. Apesar da inteligência acima da média, de um português impecável para quem residia no interior, ele nunca esboçou nenhuma vontade de tentar a vida na cidade grande, daí a suspeita de que houvesse algo no seu passado que o mandara para os grotões. Talvez um infortúnio familiar, uma ferida de amor mal curada, ou até mesmo um punhal de amor traído. A verdade é que ninguém sabia muito da sua vida. Para todos ele era apenas o Mário Só, que tinha alguns alqueires de terra, mas gostava mesmo era de perambular pelas estradas, a destilar gotas de sua sabedoria popular para o deleite dos caboclos e ribeirinhos.
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