Em 2015, o carimbó recebeu o título de Patrimônio Cultural do Brasil.
Manifestação ainda enfrenta obstáculos para ser valorizada no estado.
lo de Patrimônio Cultural Brasileiro concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2015. O momento também marca o centenário de Mestre Verequete, representante ícone do carimbó de raiz.
A agricultora e carimbozeira Júlia Freire, de 90 anos, celebra a data tocando tambor na Vila Silva, comunidade rural de Marapanim, nordeste do Pará. Dona Mimi, como é conhecida, integra o grupo Sereias do Mar, formado somente por mulheres.
“Eu tinha 78 anos quando comecei a bater o carimbó e até hoje faço parte do grupo. Por conta da idade, eu não viajo com o grupo, mas ainda faço parte”, enfatiza. Ela conta que o carimbó sempre esteve presente em sua vida, mas foi no aniversário de uma de suas filhas, que ela se apaixonou pelo ritmo.
“A minha filha queria fazer uma festinha de aniversário com carimbó. Aí ela começou a cantar e eu comecei a bater o tambor. Foi aí que surgiu o meu amor. Além disso, os meus pais eram de grupos de carimbó”, revela a carimbozeira, que se apresenta ao lado de suas três filhas no grupo.
Mimi conta que a idade não a impede de continuar vivendo o ritmo. “Eu me sinto muito feliz, mesmo tendo essa idade e me sentindo cansada, eu não canso de bater o carimbó”, conta a ritmista, que também começou a compor. “De vez em quando eu escrevo algumas músicas. No total já fiz escrevi três”.
Patrimônio do Brasil
Criado no século XVII por negros africanos do nordeste do Pará e com influências indígena e européia, o carimbó é uma das mais tradicionais expressões culturais do estado e da região amazônica.
Segundo o Iphan, o processo de inventário para registro do carimbó durou cerca de dez anos e em 2014 foi aprovado por unanimidade, em Brasília, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, formado por representantes da União e da sociedade civil. No dia 11 de novembro de 2015, o carimbó recebeu oficialmente o título de Patrimônio Cultural Brasileiro, concedido pelo Iphan.
Para Isaac Loureiro, pesquisador que integrou a comissão da campanha do carimbó, a importância do título é que ele faz com que o estado brasileiro se comprometa a investir em ações que protejam e estimulem o carimbó. Desde a conquista, foi realizado o 1º Congresso de Carimbó do Pará, que reuniu 150 grupos. Na ocasião, foram definidas as principais diretrizes e eleito um conselho de mestres e lideranças do carimbó para discutir esse plano junto ao Iphan – medidas de fomento à cultura para os próximos 10 anos.
Além disso, também foi iniciado um programa de capacitação para lideranças e comunidades aprenderem sobre gestão pública e legislação para participar de editais. “Os grupos e comunidades precisam se organizar e estarem capacitados para elaborar projetos e pleitear apoio nos editais, gerenciar entidades, conhecer como funciona o orçamento público”, destaca Isaac, que diz que, apesar da importância dessa capacitação, o programa está suspenso por falta de orçamento.
“Iniciamos ano passado e infelizmente este ano não continuamos porque os recursos do Iphan foram reduzidos brutalmente. Para todo o Brasil, para os patrimônios imateriais, havia apenas R$ 600 mil. O carimbó pediu R$ 800 mil, que incluía o programa de salva guarda, edital de premiação para grupos e mestres para chegar recurso direto na ponta, e apoio para o segundo Congresso do Carimbó, que deve ocorrer em novembro. Conseguimos garantir apenas o congresso”.
Sem política pública
Apesar de destacar os dois avanços conquistados depois do título de Patrimônio Cultural do Brasil, Isaac aponta problemas que persistem no cenário do carimbó. “Continuamos sem políticas públicas de amparo para mestres, que continuam morrendo desamparados, doentes, sem apoio”, critica. “Há ainda o processo de apropriação do carimbó que insiste em usar o carimbó como tempero, mas não dá retorno nenhum para as comunidades. É importante devolver o mínimo para essas comunidades que são as responsáveis por manter viva a raiz do carimbó”, diz.
Mestre Verequete
O pesquisador destaca que também nesta quinta-feira (25) é celebrado o centenário de Mestre Verequete, um dos nomes mais importantes do carimbó pau e corda, o carimbó de raiz. O músico teve garnde visibilidade entre os anos de 1970 até 1980, quando seu Grupo Uirapuru se dissolveu. A partir de então, Verequete vendeu churrasquinho na rua de Icoaraci para sobreviver.
“Celebrar o centenário do mestre é lembrar que se não fosse pela sua energia e coragem de sustentar a batalha do carimbó pau e corda, talvez o carimbó fosse bem menos importante e conhecido no Brasil. A figura dele é emblemática, pela força e pela fragilidade, ao mesmo tempo, porque nós dependemos das pessoas para manter vivo o carimbó”, diz Isaac.
Ao longo de sua vida artística, Verequete gravou dez discos e quatro CDs. Ícone da cultura popular paraense, recebeu, em 2006, das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o título de Comendador da Ordem do Mérito Cultural, concedido pelo Ministério da Cultura. Verequete faleceu em 2009, em Belém.
Do G1
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