Criada para melhorar a geração de renda e estimular a produção agrícola mecanizada na Área de Proteção Ambiental (APA), a Estação Conhecimento da APA do Igarapé Gelado, inaugurada em 2010, virou motivo de decepção e tristeza para os colonos, que denunciam o abandono quase que total do projeto implantado pela Vale. Segundo eles, o que ainda funciona é o laticínio, mas a parte de apoio em assistência técnica e a logística de mecanização das terras, para evitar queimadas ou desmatamento da área, estariam praticamente abandonadas.
De acordo com os colonos, o projeto está sem apoio tanto da Vale como da prefeitura de Parauapebas, que era para dá aporte técnico e a logística na mecanização agrícola. Os quatro galpões que seriam celeiros e também ponte de apoio técnico estão abandonados ou servindo de moradia.
A escola, que era para ser técnica, foi transferida ao município e funciona apenas com o ensino fundamental regular. Segundo os colonos, no papel o projeto era muito bonito e animou a todos, já que além do apoio técnico e incentivo à produção mecanizada, teriam atendimento de saúde de qualidade e educação.
“A saúde nós nunca tivemos. A educação até que está funcionando, mas não é técnica, como nos prometeram”, diz o colono Gildo Murdunga. Ele é um dos mais revoltados com a pouca eficiência do projeto e diz que teve a vida seriamente afetada. “Antes do projeto, eu tinha minha produção agrícola, que era bastante grande. Hoje, estou apenas plantando e comercializando coco, cujas mudas comprei com meu próprio dinheiro, já que nunca tive auxílio para nada. A água que passava na minha propriedade agora está contaminada”, reclama.
Isaias de Sousa é outro colono que se diz decepcionado com o projeto. Ele observa que de inicio até que foram beneficiados, mas agora estão completamente desassistidos. “A gente acreditou no projeto, que poderia ter emprego para nós e nossos filhos. Hoje, nossos filhos estão indo embora, buscar emprego fora daqui para sobreviver. Para piorar, como se trata de área de proteção ambiental, nós não temos documentos da terra e isso nos impede de pedir empréstimo em banco para investir em mecanização”, afirma, dizendo que hoje eles ali, na área, “são apenas vigia da Vale”, porque não podem fazer nada, apenas morar na terra.
“A vale pode desmatar todo dia, mas a gente não pode arrancar uma folha de uma árvore”, critica, garantindo que estão cumprindo o acordado de não desmatar e nem fazer queimada na área, coisa que nem a prefeitura e nem a Vale estão cumprindo. “Eles literalmente abandonaram o barco com a gente dentro, para morremos afogados”, ironiza.
Iniciativa sobrevive aos trancos e barrancos
O projeto Estação Conhecimento da APA do Igarapé do Gelado previa à geração de renda para 120 famílias locais, por meio da bovinocultura leiteira, avicultura, fruticultura, olericultura e piscicultura. Segundo os colonos, boa parte optou pela criação de gado leiteiro para abastecer ao laticínio, no entanto, devido à falta de incentivo, hoje apenas 22 famílias seguem no ramo.
De acordo com o colono Sidney Bispo, eles estão hoje entregues a própria sorte, sem saber o que vai acontecer com aquela área no futuro. “O que ainda funciona e esse laticínio, se parar, o projeto morre de vez”, frisa.
O Laticínio da Estação Conhecimento previa, além do leite pasteurizado, o fornecimento de manteiga e queijo muçarela. No entanto, a produção de leite pasteurizado não vingou.
Água contaminada
Outro problema que os colonos enfrentam e denunciam seria a contaminação da água de córregos e do Igarapé Gelado. Segundo eles, a agua que desce da barragem de decantação de rejeitos minerais e deságua no igarapé é totalmente contaminada. “A água é vermelha e chega a uma espuma branca, revelando que há algo errado. Peixe não sobrevive e agente não pode mais plantar horta porque a planta morre devido aos resíduos minerais”, afirma Gildo Murdunga.
Segundo o colono, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e Ibama não estão dando a devida atenção a área e o Igarapé Gelado, que pode morrer em um futuro próximo, já que suas nascentes estariam sendo dizimadas pelos projetos da mineradora. “O Ibama só nos diz que não dá para ninguém tomar banho e nem pescar mais no igarapé. O certo era eles cuidarem para que tivéssemos água limpa, sem contaminação. Isso é um crime ambiental gravíssimo. Estão matando um curso d’água importantíssimo para o ecossistema dessa região”, ressalta.
Defesa
Em nota, a Vale esclarece que a Estação permanece em pleno funcionamento, inclusive com a atividade de laticínio, que atende a mais de 50 famílias da região e que continua com projetos de mecanização, em apoio à atividade agrícola do município. A empresa informa também que os galpões tiveram que ser doados aos proprietários de terras locais. Esta doação já estava prevista no convênio estabelecido para apoio aos agricultores, em caso de não haver produção suficiente para armazenamento.
Em relação à citada contaminação do Igarapé, a Vale já esclareceu, inclusive em reunião com os moradores, que realiza monitoramento sistemático das águas e que não foram identificadas alterações que comprometam os diferentes usos do Igarapé.
A mineradora ressalta ainda que essas informações são repassadas em reuniões periódicas com a Associação de Moradores e que está aberta ao diálogo com uma equipe dedicada ao relacionamento permanente com a comunidade da Apa do Gelado.
(Tina Santos)
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