A delegada Janice Aguiar tem uma rotina atarefada: todos os dias cerca de 30 mulheres procuram a Divisão Especializada no Atendimento à Mulher da Polícia Civil, da qual ela é diretora, solicitando medidas protetivas para combater agressões cometidas por homens. O número pode flutuar mas, segundo a autoridade policial, ainda não dá a verdadeira dimensão da incidência deste tipo de crime.
“A gente tem uma média de 30 medidas protetivas por dia. Óbvio que não é todo dia esta quantidade, em alguns dias são menos atendimentos”, disse a delegada, que atende a casos de toda a região metropolitana de Belém. “É um número expressivo, mas ele ainda não reflete a realidade: a gente sabe que tem muitas mulheres que não procuram a polícia, que ainda tem medo, então está longe de ser o número real da quantidade de violência doméstica”, avalia Janice.
A advogada Luanna Tomaz de Souza se dedica a estudar a importância destas medidas de proteção. O resultado da pesquisa virou o livro “Da expectativa à realidade: a aplicação das sanções da lei Maria da Penha”, lançado no final de 2016. Na obra ela avalia que, embora fundamental, a lei que defende as mulheres precisa de avanços nas medidas de assistência e prevenção para combater a violência de gênero em todo estado. Um dos fatores que dificultam este combate, segundo a advogada, é justamente a falta de informação.
“Faltam dados estatísticos precisos sobre questão da violência. A gente, com estes dados, poderia ter ações mais localizadas e políticas de amparo para lidar com dependência econômica. A mulher muitas vezes vive em situação de violência porque não tem possibilidades. Ela procura o sistema e o sistema não atende, é moroso e não se preocupa com as demandas dela”, comenta.
Justiça
Mesmo com estes problemas, a quantidade de processos judiciais por violência doméstica que tramitam no Tribunal de Justiça do Estado aumentou em 2016. Dados do TJE indicam que foram registrados 10.181 novos casos de violência no tribunal, contra 9.743 em 2015.
Os agressores também estão sendo mais punidos pela justiça: no ano passado 6.237 processos foram sentenciados, contra 5.368 em 2015. A diferença entre os processos novos e os concluídos gera um déficit na justiça paraense: atualmente 21.842 casos de violência doméstica estão pendentes no judiciário do estado.
Segundo a delegada Janice, os casos mais comuns de violência contra mulher no estado são relacionados a crimes de ameaça e lesões corporais. Infelizmente muitos processos não resultam em condenação porque a vítima desiste de dar continuidade à denúncia.
“Não existe essa coisa de ‘retirar a queixa’. O que ocorre é que alguns crimes, como o de ameaça, dependem de representação na fase judicial, e a ausência desta representação impede que o promotor denuncie. Se em fase judicial a vítima não representar ou desistir o promotor fica impedido de continuar”, conta a delegada.
“Esse comportamento é comum. Muitas desistem, e ficam até com raiva quando vamos atrás de perícia, documento. A dependência emocional é muito grande. Não é nem a financeira, já que até mulheres que tem uma condição financeira boa, instrução elevada, sofrem com isso. Mesmo assim elas tem dependência emocional grande. Elas atribuem que existe a possibilidade do companheiro melhorar, mudar o comportamento, e decidem que querem dar uma segunda chance”, relata Janice.
Para Luanna Tomaz, a mulher precisa ser amparada para que se sinta capaz de denunciar a violência. “A lei é muito ampla, tem diferentes aspectos. A violência é diversa, atinge diversas mulheres. As políticas não chegam em ribeirinhas, indígenas e negras. A gente precisa avançar muito para implantar como um todo, pois ela fala de medidas de assistência e prevenção. Avançamos em muitos aspectos, mas em um estado como o Pará faltam politicas públicas para o interior do estado, onde não se vê abrigos, núcleos especializados”.
Machismo
Segundo a promotora de justiça Lucinery Resende Ferreira, avaliando os dados dos processos é possível traçar um perfil do agressor, que em geral tem baixa escolaridade. Porém ela diz que seria equivocado acreditar que este estereótipo, descrito pelos números, corresponde a realidade.
“O perfil até existe estatisticamente, mas não podemos afirmar que só analfabetos batem. Qualquer homem, tido no seio da sociedade, pode agredir”, conta a promotora.
Para Lucinery, a cultura machista é determinante para a violência de gênero. “O homem que está contaminado com a cultura machista pode agredir uma mulher. É toda uma forma social que faz o homem ‘coisificar’ a mulher, vê-la como um objeto, e quem faz isso pode maltratar com a maior facilidade”, afirma a promotora.
Segundo a advogada Luanna Tomaz, a desconstrução destes preconceitos deve começar na infância, em sala de aula. “Avançamos em muitos aspectos, mas em um estado como o Pará faltam politicas públicas para o interior do estado, onde não se vê abrigos, núcleos especializados. Há deficiência grande nestas questões de educação, faltam discussões questões de gênero. Não há debate nas escolas, tudo é muito concentrado na capital”, comenta.
Mesmo com estas dificuldades, a delegada Janice orienta as mulheres a sempre lutarem pelos seus direitos. “O meu conselho é a mulher ir até o final. Homem que pratica violência é capaz de tudo. Por trás da ameaça pode vir coisa pior”, conclui.
A lei Maria da Penha
objetivo da Lei Maria da Penha é proteger mulheres vítimas de violência doméstica. A lei cobre diferentes tipos de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Além disso, a lei estabelece medidas que podem ser tomadas para afastar o agressor da vítima (veja vídeo acima).
Como denunciar
Mulheres que se sentirem ameaçadas ou sejam agredidas podem procurar a Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Polícia Civil. Em Belém, a divisão fica na Travessa Mauriti, n° 2.394, entre Avenidas Rômulo Maiorana e Duque de Caxias. O telefone para contato é Telefone: (91) 3246-4862. No interior do estado é possível procurar uma das 15 delegacias especializadas neste tipo de atendimento.
FONTE: G1/PA
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