Jhonata da Silva nasceu com uma malformação cerebral e, desde os seis anos, sofria seis crises epilépticas por dia na casa onde vive com a família em Boa Vista do Cuçari, localizada no município de Prainha, no oeste do Pará. Também as quedas constantes e a perda da força associada à dificuldade para a realização das atividades diárias impediram que ele estudasse e trabalhasse. Nem mesmo as quatro medicações tomadas diariamente garantiram a rotina comum de um jovem de 26 anos. A esperança de ter qualidade vida surgiu com a calosotomia, metodologia cirúrgica realizada pela primeira vez no Pará na última segunda-feira (22), no Hospital Ophir Loyola (HOL), em Belém.
O neurocirurgião do Hospital, Francinaldo Gomes, especialista em cirurgia de epilepsia, explica que a intervenção é indicada para casos de epilepsia refratária, que não apresenta resposta ao tratamento com dois ou mais medicamentos. Era a situação de Jhonata. Na cirurgia, uma parte do corpo caloso é separada, levando à desconexão das partes frontais do cérebro. “O corpo caloso une esses dois hemisférios cerebrais, quando separado limita a propagação da atividade epiléptica de um lado para outro, melhorando as crises”, explicou Francinaldo.
Essa modalidade de cirurgia é usada para tratar pacientes com epilepsias generalizadas e durou em torno de duas horas. Utilizou-se um aparelho chamado neuronavegador, que funciona como uma espécie de GPS, unindo os dados das imagens de ressonância magnética com os dados da cabeça do paciente e, desta forma, permitindo determinar a melhor trajetória até o corpo caloso, evitando lesão de estruturas importantes e dando mais segurança ao paciente no momento da cirurgia. A intervenção costuma reduzir significativamente a frequência de crises e o risco de acidentes ocasionados pela queda.
Segundo o especialista, as crises do tipo drop attacks (crises atônicas ou ataques de queda) causam um impacto negativo na qualidade vida dos pacientes, que perdem a consciência e caem ao chão e ainda enfrentam o preconceito de pessoas mal informadas acerca da doença. Ao contrário do que muitos ainda pensam, e epilepsia não é contagiosa. O contato com a saliva do paciente não torna uma pessoa epiléptica.
“Eles caem com muita frequência e batem muito a cabeça, gerando uma série de consequências, como traumas, fraturas e coágulos nessa região. A cirurgia reduz a quantidade de crises em 70 a 80%, isso permite que o paciente tenha uma vida bem próxima do normal. E em alguns casos, reduz as crises em 100%, garante a cura”, enfatiza o especialista.
Essa é a expectativa de Janilvado Carvalho, 48 anos, que largou o emprego desde o nascimento de Jhonata. O jovem também possui dificuldade motora em todo o lado esquerdo do corpo, decorrente da malformação cerebral. Foram anos de luta até o hospital de Santarém encaminhar o paciente para fazer a cirurgia em São Paulo. “Os documentos vieram para cá (Belém) para autorização, então soubemos que o Hospital Ophir Loyola realizava o tratamento cirúrgico da doença. Espero que ele comece a ter uma vida digna”, disse a respeito do filho, que se recupera na Unidade de Terapia Intensiva do hospital.
Os procedimentos cirúrgicos para tratar epilepsias já chegam a 43 no Pará desde 2013, a maioria em rede privada. Em março do ano passado, o HOL realizou a cirurgia de forma pioneira no Sistema Único de Saúde do Pará, com o total de oito procedimentos realizados até o momento.
A doença – A epilepsia é uma doença crônica do cérebro, caracterizada pelas crises epilépticas ocasionadas por descargas elétricas anormais e excessivas. Também é acompanhada por alterações como depressão, distúrbio do sono e distúrbio de memória. Quando a medicação não surte efeito, a cirurgia é indicada.
Acomete pessoas de todas as idades, desde recém-nascidos até idosos. Não há predomínio de sexo, o que muda é causa da doença. Nas crianças, por exemplo, é muito mais comum as malformações congênitas, as complicações no parto, como falta de oxigênio, falta de açúcar no sangue e as infecções da infância, principalmente a meningite. No jovem e no adulto, predominam os traumas ocasionados por acidentes de trânsito e violência. Nos idosos, predominam o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e os tumores como causa das crises epilépticas.
Atendimento – Para ser atendido no Ophir Loyola, o usuário deve ser referenciado de algum serviço como unidade básica de saúde, via rede SUS. “ O paciente passa por uma triagem para verificarmos se tem o perfil cirúrgico; uma vez que a cirurgia esteja indicada, o paciente passa por uma investigação com exames para ser encaminhado à cirurgia”, informou o neurocirurgião do hospital, Francinaldo.
Diretor clínico do HOL, o médico Joel Monteiro de Jesus ressalta que, desde 1974, o hospital possui um Instituto de Neurologia com assistência multidisciplinar. Há ambulatórios de diversas subespecialidades para o tratamento de câncer, cirurgia da coluna, doenças vasculares cerebrais, tumores do sistema nervoso central, neurocirurgia estereotáxica e funcional. “Realizamos cirurgias de alta complexidade de forma regular. Para algumas doenças, somente o Hospital Ophir Loyola oferta tratamento, hospitalar e ambulatorial, na rede de atenção púbica em todo o Pará, como o caso da cirurgia para o tratamento de epilepsia refratária”, destacou.
Texto:
Leila Cruz
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