RODOLFO LUCENA – Um terço dos norte-americanos adultos é clinicamente obeso; uma em cada cinco crianças dos EUA sofre do mesmo mal, uma verdadeira epidemia que custa ao país cerca de US$ 300 bilhões de dólares por ano em despesas médicas e perdas por redução de produtividade.
O jornalista americano Michael Moss
A indústria de alimentos processados está no coração desse problema. Na receita dessa viciante alquimia está o triunvirato sal, açúcar e gordura, que provoca em nosso cérebro reação semelhante à desencadeada pela cocaína.
É o que defende o jornalista norte-americano Michael Moss, do “The New York Times”, que ganhou o prêmio Pulitzer em 2010 por uma série de reportagens sobre comida contaminada e outros problemas da indústria.
Foi durante aquele trabalho que surgiu a ideia para a produção de “Sal, Açúcar, Gordura – Como a Indústria Alimentícia nos Fisgou”. Lançado em 2013 nos EUA e logo conquistando lugar nas listas de mais vendidos, o livro está agora disponível no Brasil.
“Sim, claro, a indústria quer nos viciar. Eles trabalham dia e noite para tornar seus produtos tão irresistíveis quanto possível. O problema é que ela vem fazendo isso com o uso de enormes quantidades de sal, açúcar e gordura”, diz Moss, 60, nesta entrevista feita por e-mail.
Folha – Seu livro começa descrevendo uma reunião que lembra encontros de mafiosos. O senhor acredita que a indústria de alimentação parece com uma organização criminosa?
Michael Moss – Pensar nessas companhias como organizações criminosas é um pouco exagerado. Elas fazem o que todas as empresas querem fazer: faturar o máximo possível, vender o máximo possível. O problema é que elas vêm fazendo isso com o uso de enormes quantidades de sal, açúcar e gordura para tornar seus produtos baratos, convenientes e irresistíveis.
O senhor acredita que essa indústria quer de fato viciar os consumidores em sal, açúcar e gordura?
Sim, claro. Em minhas pesquisas, descobri vasta quantidade de documentos e entrevistei pessoas-chave na indústria, produzindo o perfil de uma indústria que trabalha não só para que a gente goste de seus produtos, mas para que a gente queira sempre mais e mais. Sal, açúcar e gordura são a trindade demoníaca para conseguir isso.
Há crime nas ações da indústria? Ou são operações normais para vender mais e ter mais lucro?
É o capitalismo. Além do mais, essas indústrias têm sofrido cada vez maiores pressões de seus investidores para maximizar seus lucros. Executivos da indústria da alimentação passaram a tomar decisões baseados em ganhos de curto prazo, deixando de lado, por serem muito custosas, pesquisa e inovação para obtenção de produtos mais saudáveis.
Quais foram suas maiores surpresas durante a produção do seu livro?
Tive duas grandes surpresas. A primeira é o fato de que muitos dos químicos, pessoas de marketing e executivos da indústria de alimentação não comem os produtos feitos por suas empresas, sabendo que eles não são saudáveis e induzem ao consumo em excesso.
A segunda é que, ainda que nós estejamos viciados em sal, açúcar e gordura, a indústria é muito mais dependente desse trio. São ingredientes milagrosos que permitem fazer comida processada irresistível, de baixo custo e longo prazo de validade.
O que o senhor pode nos falar sobre as relações entre a indústria da alimentação e os fabricantes de cigarro?
Desde o final dos anos 1980 até meados dos anos 2000, a maior fabricante mundial de cigarros, a Philip Morris, era também a maior fabricante mundial de comida processada, dona da General Foods e depois da Kraft. E durante boa parte do período você pode ver executivos da indústria de cigarros fazendo o que sabem fazer, emprestando suas ferramentas de marketing aos colegas da área de alimentação.
O governo consegue obrigar as indústrias a produzir comida mais saudável?
A indústria da alimentação é muitas vezes mais poderosa do que as agências governamentais. Só nos anos 1990 as indústrias tiveram de divulgar os ingredientes de seus produtos –mesmo assim, a maioria imprimia a lista em letras muito pequenas.
O que o governo deveria fazer para que tivéssemos comida mais saudável?
Uma ação possível é aumentar os impostos sobre alimentos não saudáveis, como refrigerantes, para reduzir o consumo. A receita desses impostos deveria ser investida em programas para melhorar a saúde pública. O governo também poderia investir mais em criar programas educacionais para crianças.
A situação mudou nos EUA desde que seu livro saiu?
Sim, as coisas mudaram muito. Há cada vez mais gente preocupada com a qualidade da comida, mudando seus padrões de compra e de alimentação. Isso vem pressionando os gigantes da indústria a melhorarem a qualidade de seus produtos.
Uma após outra, as grandes empresas da área divulgaram lucros menores neste ano, e as mais francas disseram que a causa da queda foi a perda de confiança do público. Isso vem abrindo as portas para uma leva de novas companhias oferecendo produtos mais saudáveis
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