No final de semana passado, foi divulgado um listão de abrangência nacional que soa como uma bomba para Marabá: o município é o pior do Brasil no atendimento às demandas da pessoa idosa, entre as 150 localidades mais populosas do país e cujas sedes são consideradas “cidades grandes”.
O estudo de 120 páginas que batiza a confecção do Índice de Desenvolvimento Urbano para a Longevidade (IDL) é de autoria do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) pertencente à Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Conforme os números da pesquisa, Marabá é lanterna entre as cidades grandes em praticamente todos os critérios agrupados do IDL, tanto na classificação geral quanto nas ponderações que categorizam os cidadãos “com entre 60 e 75 anos” e “com mais de 75 anos”. No rol das cidades grandes, estão outros três municípios paraenses: Belém, no 106º lugar; Santarém, no 143º lugar; e Ananindeua, que, na 149ª colocação, disputa com Marabá o troféu da velhice mais miserável.
Marabá chega a 2017 com aproximadamente 272 mil habitantes, dos quais 215 mil são urbanos, considerando-se a estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016 e os números projetados para 2017. No mesmo recorte, a população com mais de 60 anos totaliza 16.260 habitantes, sendo 12.407 residentes na faixa de 60 a 75 anos e 3.853 moradores com mais de 75 anos. Para todos esses habitantes mais que sessentões, que têm direitos civis assegurados pelo Estatuto do Idoso, Marabá está um verdadeiro caos, de acordo com o relatório do IDL.
Na avaliação do jornalista e engenheiro André Santos, uma das maiores autoridades da região em indicadores sociais e o primeiro a tomar conhecimento e comunicar o ranking, a publicação desnuda a precariedade das condições de envelhecimento num dos principais municípios da Amazônia. “O Índice de Desenvolvimento Urbano para a Longevidade expõe o vexame moral e social de Marabá, que é polo regional de uma das regiões que mais geram lucros ao país na Balança Comercial. É um exemplo clássico da falência de políticas públicas para a pessoa idosa e que espelha o atraso municipal”, contextualiza Santos, destacando que Marabá não tem conseguido evoluir em indicadores básicos de qualidade de vida, em quaisquer pesquisas que sejam, muito embora a prefeitura local tenha aumentado exponencialmente sua arrecadação nos últimos cinco anos.
PIOR DOS PIORES?
Ao avaliar a metodologia do estudo, contudo, o especialista aponta muitas falhas, inclusive a utilização de dados defasados. “Os organizadores não tiveram a sensibilidade de equiparar, em nível temporal, os diversos dados de que se valeram para fechar os índices. Como exemplo da bagunça, pegaram a população de 2014 como parâmetro, bateram no liquidificador com indicadores de violência de 2015 e puseram uma pitada de estatísticas de saúde da década passada. Sim: há dados de 2009 e muita coisa do Censo 2010, o qual é obsoleto demais para a Marabá que temos atualmente”, critica.
Não que Marabá saísse da água para o vinho, caso fosse utilizada uma base de tempo alinhada entre todos os indicadores, já que é de conhecimento de todos que a situação do município, socialmente falando, não é das melhores em quaisquer estratos populacionais, e não apenas entre os idosos. “Mas, evidentemente, Marabá sairia da lanterna e não passaria essa vergonha nacional, que afasta investidores, quando estes percebem que o desenvolvimento social está no esgoto.”
Segundo o engenheiro, a colocação de Marabá, além de vexatória, afugenta pessoas visionárias e acende alerta a projetos de capital privado que apreciam mão de obra mais aprimorada. “Os investidores fogem de locais nos quais a população envelhece sem qualquer perspectiva, especialmente porque a tendência do país, diante da queda na taxa de natalidade, é ter uma população cada vez mais adulta e, nas próximas décadas, com quantidade de idosos superior ao total de crianças. O capitalismo precisa de mão de obra ativa, sadia, não de adulto borocochô que já quer aposentar-se nos 60. Em Marabá, não será diferente; a diferença residente no fato de que, por aqui, se está envelhecendo de maneira precária.”
Nada justifica o caos para os vovozinhos
Não. Dinheiro não é o motivo pelo qual a crise moral em Marabá chegou a esse naipe. Aliás, no meio do cata-aqui-cata-acolá de estatísticas, em anos diferentes, para compor o estudo, a receita da prefeitura disparou. De acordo com o jornalista e engenheiro André Santos, em 2009, ano do qual as entidades organizadoras do estudo coletaram dados de saúde em Marabá, a receita da prefeitura era R$ 311,96 milhões. Em 2015, de cujo ano foram extraídos dados como violência, agências bancárias e escolas com acesso à internet, a receita da Prefeitura de Marabá já era R$ 673,88 milhões, um fantástico crescimento de 116%. “Nenhum município, entre os 150 mais populosos listados no estudo, conseguiu a façanha de Marabá, de mais que dobrar a receita. Em 2016, a arrecadação fechou em R$ 708,5 milhões, muito embora a prefeitura, estranhamente, tenha diminuído o valor no mesmo Portal da Transparência para R$ 503,7 milhões”, avalia André Santos.
O especialista observa que, ano passado, até o mês de agosto, a Prefeitura de Marabá gastou míseros R$ 2 mil com “Assistência ao Idoso”, conforme o Demonstrativo da Execução de Despesas por Função e Subfunção divulgado pela prefeitura no Portal da Transparência. O previsto no ano era gastar apenas R$ 33 mil com os idosos. “Como é possível chamar de investimento R$ 33 mil em uma população de 16 mil pessoas? Os idosos de Marabá são o equivalente à população inteira do município de Bom Jesus do Tocantins. É como se você investisse R$ 2 em cada um deles, e isso não é investimento, é descaso”, reclama.
O levantamento abrangeu 498 municípios brasileiros, cujas sedes foram categorizadas em cidades grandes (todas as 150 dos municípios mais populosos) e pequenas (de municípios com população entre 50 mil e 100 mil moradores). Considerando-se a região dos municípios mineradores de Carajás, apenas Marabá entrou no ranking. Parauapebas, Canaã dos Carajás e Curionópolis ficaram de fora, por não terem o perfil populacional citado, mas, de acordo com André Santos, é até melhor assim. “Se eles tivessem entrado, considerando-se os microdados utilizados, todos teriam passado vergonha, e só iria reforçar a tragédia social real de nossos idosos em meio a montanhas de riquezas teóricas”, encerra.
Promotora confirma caos nas políticas para idosos
Procurada pela Reportagem do CORREIO para comentar o resultado da Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a promotora de Justiça Lilian Viana Freire, que cuida da garantia dos direitos dos idosos, disse que não ficou nem um pouco espantada com os resultados, porque conhece a realidade dos idosos do município e a forma como o poder público vem tratando esse grupo de pessoas nos últimos anos.
Ela mostrou à Reportagem cópia de uma ação civil público impetrada na Justiça em dezembro de 2015 para que a Justiça obrigue o município de Marabá a criar um abrigo para idosos. Ela lembra que a única casa do gênero, o Lar São Vicente de Paulo, é uma ONG que não estava recebendo suporte do poder público e vive até hoje com grandes dificuldades financeiras.
“É inegável que existe em Marabá uma parcela da população que migrou para a região sudeste do estado do Pará na década de 1980, época da famosa corrida do ouro no garimpo de Serra Pelada, e que hoje atingiu a terceira idade, sem, contudo, ter parentes neste município que possam ampará-los na velhice”, observa.
A representante do MP endurece o jogo e diz que em Marabá não há preferência na formulação na execução de políticas sociais públicas específicas para idoso. Também critica a precariedade no acesso à rede de serviços de saúde (medicamentos, cirurgias, terapias, leitos, internações e UTI. “Um dos fatos mais desanimadores é a falta de estrutura do Conselho Municipal da Pessoa Idosa, que não tem condições de atuação adequada”, conta.
A promotora também enumera outros dilemas em Marabá para pessoas que passaram dos 60 anos. Não há delegacia especializada em crimes contra idosos, o que gera precariedade na apuração dos casos de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e violações de direitos dos idosos.
Lilian Viana Freire lamenta que haja apenas uma a instituição que atua de forma filantrópica como abrigo de idosos, que é o Lar São Vicente de Paulo, fundado em 1999, de caráter beneficente e se destina ao acolhimento e proteção de idosos hipossuficientes e em situação de vulnerabilidade e risco pessoal.
Atualmente, estão abrigados no local 32 idosos, sendo duas mulheres e 30 homens. Todavia, a grande demanda reprimida impede sinaliza a necessidade de ampliação ou construção de um outro espaço para receber mais idosos.
Novas perspectivas
A promotora explica que na última segunda-feira, dia 6, recebeu em audiência o prefeito Sebastião Miranda Filho, para quem apresentou o leque de demandas existentes na área dos idosos e pediu ação enérgica do município para resolver dilemas graves, como falta de acesso aos serviços de saúde.
“Nos últimos meses, temos trabalhado aqui com situações urgentes para garantir atendimento em hospitais e salvar a vida de idosos. Em muitos casos, enquanto estamos tentando vagas, recebemos a notícia de que aquele idoso acabou falecendo com tanta demora para atendimento”, lamenta a promotora.
Nova reunião deve ocorrer no dia 20 deste mês para elaboração de um termo de compromisso para realizar um conjunto de ações que melhorem o atendimento aos idosos. “Hoje, o discurso de que eles são atendidos nos CRAS não cola, porque essas quatro instituições não têm estrutura para atender as demandas”, critica a promotora.
(Ulisses Pompeu/ CT ONLINE)
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