O homem que voltou dos mortos Faleceu na quinta. De manhã. Acordou morto. Acordou? Foi aquele desespero. Esposa chorando, 20 anos de casados e ninguém podia imaginar tal problema de cardiologia. Os filhos gritavam, queriam arrancar os cabelos. O amor em face à morte é só dor. A gente tem medo de sentir saudade. Veio toda a parentela do Maranhão e do Piauí. E do baixa da égua também, como não podia deixar de ser. O defunto era homem rico e havia rumores de que o coração, apesar de fraco, era bom e no testamento ele havia deixado algo para cada um que tivesse o menor vínculo consigo. Chororô. Abraços e homenagens. “Ele era bom”, “como pode ir tão jovem?”, “vai entender os planos de Deus…” Velório. Lágrimas. Flores e rezas. Café. Lembranças. Café. Faltando meia hora para o enterro o defunto se levantou com sede. Metade da parentela correu. A cidade se espantou. Ele tomou um susto com tudo aquilo. Foi ao médico e fez um check-up geral. Espantado, o doutor disse que tudo estava bem, chamou de milagre e deixou de ser ateu. As preces que fizeram a Deus foram ouvidas. O homem voltou do reino dos mortos e estava vivo e saudável. Voltou ao trabalho na segunda. Todos tinham medo. Ninguém se aproximou. O homem parecia ter uma doença terrível e contagiosa. Trancou-se em sua sala e achou tudo estranho. Para ele, tudo estava igual. Saiu às ruas e viu o dono do botequim, seu amigo há 30 anos, fechar as portas do estabelecimento e dizer que sua família era tradicional demais para receber um moribundo. Chorou feito criança aquele dia. Sua mulher o evitava na cama. Os filhos não queriam seus abraços. Os amigos o bloquearam no Whats. Suas noras falavam que ele cheirava a decomposição… Pura falácia, pura fofoca… Puro efeito psicológico. Ele estava bem. Ele estava normal. Tentou dizer a todos. Ninguém ouviu. Se sentiu só no mundo. Foi à igreja. O padre que o catequisou o chamou de aberração. A alternativa protestante disse que o que o mantinha vivo eram os demônios adquiridos em sua morte. Chorou. Não tinha para onde ir. Sua história se espalhou tal qual surto de dengue. Tentou se mandar, mas em todo lugar que foi já o conheciam. Ganhou o apelido de Zumbi de The Walking Dead. Sem saída, se matou. Tomou veneno e atirou na própria cabeça pra garantir que não voltaria mais. Faleceu. Na quinta. E veio toda a parentela da baixa da água chorar a sua morte e rezar por sua alma. Tudo de novo. A vida é difícil. A morte é mais fácil.
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