
Ao começar a comer, meu prato é igual ao que já comi inúmeras vezes em restaurantes asiáticos. Um emaranhado de massa bezuntada em óleo em meio a fatias de galinha, com aroma de alho e gengibre. Mas aos poucos vou percebendo olhos. Glóbulos escuros em uma cabeça amarelada – tudo conectado a um corpo.
Não os tinha percebido antes, mas agora vejo que estão por toda a parte – meu macarrão está cheio de insetos.
Se não tivesse sido alertada, talvez tivesse passado mal. Mas estou fazendo parte de uma experiência na universidade de Wageningen, na Holanda. O instituto de culinária da universidade, liderado por Ben Reade e Josh Evans, tem o desafio de conseguir transformar insetos em pratos saborosos.
Eu e outros três gastrônomos estamos presentes para testar alguns dos pratos preparados. Cada um recebe um prato principal diferente. O meu é um macarrão com gafanhotos – muitos deles ainda estavam vivos pela manhã. O prato também tem uma pitada especial de larva de mosca.
No dia seguinte, Reade e Evans participam de um seminário mundial em entomofagia – a prática de comer insetos – com mais de 450 delegados.
Segundo os especialistas presentes, no ano 2050 o planeta terá nove bilhões de pessoas. O desafio maior das próximas décadas será suprir o mundo, sobretudo em países de renda baixa ou média, com proteínas animais. Para eles, o planeta não teria condições ambientais de sustentar um aumento da pecuária tradicional.
A solução ecológica seria comer insetos, que são ricos em ferro e zinco. A criação de insetos requer muito menos água do que gado. No caso dos grilos, a quantidade de proteína é 12 vezes maior do que o encontrado em um bife.
Os insetos também poderiam ser usados como substituto das rações animais baseadas em soja, outro produto cujo cultivo tem alto impacto ambiental.

Além disso os insetos se alimentam de excrementos. Os próprios insetos podem ajudar a reciclar o material orgânico do planeta – enquanto produzem proteína comestível.
Os especialistas reunidos na conferência imaginam um mundo onde os supermercados terão alas especiais com produtos a base de insetos, e lanchonetes servirão “inseto-burgueres”. Será que chegaremos a tanto?
Comida antiga
Entomofagia é comum em várias partes do mundo. Segundo a FAO, dois bilhões de pessoas no planeta se alimentam de insetos. No Japão, as larvas de vespas são populares; na Tailândia, formigas também são alimentos comuns. Em vários países africanos, cupins são fritos, defumados ou cozidos a vapor. Atualmente, há 1,9 mil espécies de insetos comestíveis.
Então por que temos tanto nojo dos insetos? A resposta mais simples, segundo o psicólogo Paul Rozin, da Universidade da Pennsylvania, é que os insetos são animais.
Qualquer animal que come outro – seja ele humano, gorila, iguana ou barata – tem hábitos alimentares restritos, e costuma se alimentar de uma quantidade pequena de espécies na natureza. No caso dos humanos, a associação direta que se faz com insetos é lixo, decomposição e doença.
A empresária Laura D’Asaro enfrenta o desafio de colocar insetos na alimentação diária dos americanos – e ainda fazê-los pagar por isso. Ex-vegetariana, ela descobriu os “prazeres” da entomofagia na Tanzânia em 2011. Hoje ela tem uma linha de produtos alimentícios baseados em insetos.
Ela conta que para reduzir o asco de muitos consumidores o segredo é vender produtos à base de insetos – e não o animal “in natura”. Sua empresa, a Six Foods, vende salgadinhos à base de uma farinha feita de grilos.

Alguns produtos têm até mesmo o nome do inseto distorcido de alguma forma, para evitar rejeições com base no nojo. Um dos alimentos é feito à base de larvas que vivem em colmeias. A Six Food não menciona a palavra “larva” com destaque em seus rótulos, preferindo o termo “inseto do mel”.
Nos últimos anos, diversas empresas surgiram para tentar explorar esse nicho de mercado. Na França, existe a Ynsect; nos Estados Unidos, a Enviroflight; na Holanda, a Protix. Na África do Sul, um empresário está criando uma grande “fazenda de moscas”, que pretende produzir sete toneladas de “MagMeals” – refeições a base de “maggots” (larvas de mosca).
Mas a resistência do público ainda é grande. Para muitos, a ideia de comer insetos só parece vantajosa se comparada a experiências horríveis. Uma pesquisa conduzida por Rozin mostrou que 75% dos americanos preferem comer insetos do que carne de cabra crua. Para 53%, comer insetos é melhor do que aguentar 10 minutos de dor moderada.
“Não é a pior coisa do mundo, mas é simplesmente algo que todo mundo prefere evitar”, diz Rozin.
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