Temos um futuro a construir. Um futuro que não virá se não formos capazes de transgredir as ordens.
As manifestações de ódio e outas declarações criminalizando o MST e seu processo de luta pela terra e Reforma Agrária, ditas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, ademais de provocar a contestação da sociedade civil organizada, revela um posicionamento de alguém com ampla responsabilidade que desconhece por completo a realidade agrária do nosso país, marcado por inúmeros conflitos e assassinatos de trabalhadores e
trabalhadoras rurais.
Florestan Fernandes dizia que “a luta de classes em nosso país se dar entre quem tem propriedade e quem não tem”; a depender dos interesses do capital e do contexto político os enfrentamentos são violentos e desfavoráveis para os trabalhadores/as rurais.
É o que temos percebido no contexto atual com as afirmações do Bolsonaro e seus seguidores, para eles a propriedade privada da terra é “sagrada”, portanto, não cabe o questionamento se cumpre ou não a função social e que a democratização do acesso poderia oportunizar vida digna aos que necessitam. Sem nenhum senso de
responsabilidade, Bolsonaro tem incitado o uso da força e da violência, dando ordens para matar com “lança chamas”, “fuzil 762” os que lutam pela democratização do acesso a terra e a reforma agrária. Declarações de ódio de classe que aprofundam uma triste realidade marcada por conflitos e assassinatos de trabalhadores/as rurais.
Desde 1985 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vem sistematizando os dados dos conflitos agrários em nosso país e indica que até final de 2017, 1904 pessoas foram assassinadas em 1438 conflitos no campo; em sua maioria, esses conflitos se concentraram na região Norte, com destaque aos estados do Maranhão, Rondônia e Pará, que juntos totalizam 970 pessoas assassinadas em 658 casos de conflitos no campo.
Sobre esses dados vale destacar o papel dos Massacres e o aumento em 2017 da violência no campo pelo contexto do golpe institucional de 2016. Em 32 anos, a CPT registrou 46 massacres que vitimaram 220 pessoas. Foram ações previamente planejadas, determinando quando, que horas, quem seriam as vítimas e que “mensagem” transmitir para intimidar outros processos de luta e resistência. Assim como em 2017 presenciamos o aumento exponencial dos conflitos onde 70 camponeses, indígenas e quilombolas foram assassinados em 28 massacres no campo.
Esses não são apenas dados estatísticos, é a revelação da face cruel dos que defendem o latifúndio, que se aproveitam de cenários políticos favoráveis de impunidade para perseguir e assassinar os que lutam pela terra, pela Reforma Agrária e vida digna no campo.
Após o período eleitoral marcado pela intolerância e pela incitação à violência, percebemos a articulação institucional para garantir a liberação do armamento dos proprietários rurais, para tipificar como ação terrorista as ocupações de propriedades rurais e urbanas (PL 5065/2016, PL 9604/2018 e o PL 272/2016 em votação no
congresso e senado respectivamente) e para criminalizar as organizações e os ativistas políticos na luta legítima por direitos fundamentais garantidos na constituição.
Iniciativas discutidas e propostas a revelia do povo brasileiro e que visa ferir profundamente os princípios democráticos do país. Diante desse cenário, para as forças populares e para o MST o desafio será a resistência.
Combinando organização e formação de base e, desencadeando processos de lutas mais ampliadas e articuladas entre si, com bandeiras que expressem as aspirações e desejos dos setores populares. Capaz inclusive de motivar e recolocar a frente jurídica e popular em sintonia para questionar o Estado no cenário de violações e retirada dos direitos fundamentais, de livre organização e liberdade de expressão garantidos na constituição.
É verdade… O caminho é longo e difícil, mas fomos forjados enfrentando todas as cercas erguidas que querem impedir a democratização da terra e a implementação da Reforma Agrária. Temos uma memória coletiva do sacrifício de muitos que tombaram na luta e da resistência de outros que seguem em centenas de acampamentos enfrentando as mais difíceis situações. Temos a força do olhar delas, as filhas e viúvas da terra, que mesmo diante da dor e da perda não se esquivaram assustadas e assumiram com determinação a continuidade do sonho de ver a terra e as pessoas livres e felizes. Temos um futuro a construir. Um futuro que não virá se não formos capazes de transgredir as ordens, construindo ainda no presente os passos que nos levem a emancipação humana. Vamos a luta?
*Ayala Ferreira é dirigente nacional do MST.
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