A pesquisa “A Polícia Precisa Falar Sobre Estupro”, divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha no último mês, demonstrou que muita gente não confia no atendimento da Segurança Pública e da rede de apoio às vítimas de estupro no Brasil. O levantamento trata da percepção da violência sexual e atendimento a mulheres vítimas nas instituições.
A violência sexual é definida, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, como “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”, podendo ser praticada por qualquer pessoa, independente da relação com a vítima, e em qualquer cenário, incluindo casa e trabalho. Diferente do que muita gente pensa, a violência sexual abrange várias formas de agressão que ferem a dignidade e liberdade sexual de uma pessoa, como, por exemplo, assédio, exploração sexual e estupro.
A violência sexual acarreta em danos psicológicos e físicos graves nas vítimas e a pesquisa apontou que ao menos 65% da população – homens e mulheres – tem medo de sofrer violência sexual. O percentual, no entanto, é ainda maior quando os dados são analisados apenas entre mulheres, passando para 85% das brasileiras afirmando sentir esse medo, contra 46% dos homens. O medo é real e tem motivos: O 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que foram registrados 47.646 casos de estupro em todo o país em 2014, um estupro a cada 11 minutos. Acredita-se que os índices sejam maiores, uma vez que a maior parte das vítimas de crimes sexuais não registram denúncias.
A população mais jovem é a que apresenta maior medo de ser estuprada, sendo que 75% das pessoas entre 16 a 24 anos informaram sentir o medo. Conforme a idade aumenta, o temor de ser vítima do crime diminui. No Norte e Nordeste do país se concentram as maiores porcentagens, somando 72% de toda a população. Dentre as mulheres 90% das que vivem no Nordeste afirmam temer sofrer violência sexual, seguidas de 87,5% da população feminina do Norte. No Sudeste e Centro-Oeste são 84% e no Sul são 78%. Em municípios do porte de Marabá, que possuem entre 50 e 200 mil habitantes, 68% das pessoas demonstram insegurança em relação ao tema.
Uma das finalidades da pesquisa é contribuir no acesso aos indicadores sociais e institucionais de tolerância em relação à violência sexual contra as mulheres, essenciais para a formulação de iniciativas que estimulem mudanças nos padrões de atitudes sociais, culturais e institucionais, contribuindo para a eliminação da violência de gênero contra as mulheres. A pesquisa destaca que, apesar das sérias consequências do crime, as vítimas de agressão sexual são menos propícias a reportarem o incidente à polícia que pessoas que sofrem outros crimes, destacando serem comuns as construções sociais sobre o estupro e as respostas negativas das autoridades, assim como descrença e a culpabilização das vítimas de estupro, o que leva muitas pessoas a evitarem denunciar.
“Em face às especificidades dos crimes de violência sexual, os resultados da pesquisa indicam que a percepção da sociedade é de que as instituições policiais no geral não estão preparadas para lidar com os casos de violência sexual. Ainda assim, todos os anos, milhares de mulheres denunciam o crime do qual foram vítimas. As mulheres querem e precisam contar com a ajuda das polícias”, diz a divulgação. O levantamento destaca que as especificidades do crime de estupro desafiam as instituições, uma vez que é difícil obter provas irrefutáveis do não consentimento quando o suspeito é uma pessoa conhecida e ao mesmo tempo é difícil identificar e encontrar o autor quando se trata de um estranho.
Marabá conta com a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), especializada no atendimento a estes casos. Conforme a titular da unidade, delegada Ana Paula Fernandes, o ideal é que a vítima acione a Polícia Militar – por meio do 190 – logo após a ocorrência, para que sejam feitas diligências com o intuito de realizar a prisão do criminoso ainda em flagrante. Caso não seja possível, a vítima deve comparecer de imediato à delegacia de Polícia Civil onde será primeiramente registrado boletim de ocorrência e, em seguida, ela será encaminhada para realizar exame pericial sexológico.
“Lembrando que é importante frisar que a vítima deve comparecer de imediato à delegacia sem tomar banho, bem como deve levar roupa e peça íntima que estava usando no momento para encaminhamento de exame pericial”, diz a delegada, destacando que assim é mais fácil encontra material genético que possa ser comparado com o do agressor posteriormente, comprovando a autoria do crime. Após a vítima registrar a ocorrência, prestar depoimento e ser submetida à exame sexológico, ela é encaminhada para o Centro de Testagem e Aconselhamento de Marabá (CTA), para realização de exames e tomar medicamentos para evitar doenças sexualmente transmissíveis.
“Posteriormente o delegado responsável irá instaurar inquérito para apuração do crime, bem como pode solicitar exame pericial de local de crime ou se for o caso de perícia genética e ao final encaminhar ao Judiciário”, explicou. A Deam funciona durante a semana e em horário de expediente, os crimes dessa natureza ocorridos fora desse horário deverão ser registrados junto à 21ª Seccional Urbana de Polícia Civil. “Deve-se ir ao plantão de imediato para logo realizar exame sexológico, lembrando que não deve lavar as partes intimas até à realização do exame”, reitera Ana Paula.
Para aumentar a segurança das mulheres vítimas dessas agressões, a equipe da Deam é composta principalmente de policias do sexo feminino. “Aqui a mulher supostamente vítima de estupro sempre é atendida por uma policial mulher. Da mesma maneira no plantão da Seccional sempre tem uma policial mulher na equipe que pode fazer esse atendimento inicial. Depois da ocorrência feita no plantão o procedimento é encaminhado para Deam, nos casos em que não haja prisão em flagrante”.
Questionada acerca da sensação de impunidade que muitas pessoas sentem em relação ao crime, a delegada afirma que há métodos de investigação eficazes para se chegar à autoria dos crimes. “A maioria dos casos é enviada para realização do retrato falado e quando elas conseguem algum outro dado, como placa de um veículo, por exemplo, a investigação é mais eficaz. Alguns casos são de difícil resolução em razão da falta de elementos, principalmente aqueles em que o estuprador leva a vítima para local ermo, à noite, sem câmeras, porém todos os casos são investigados e a maioria dos casos são solucionados”, finaliza.
SAIBA MAIS
A pesquisa realizada foi elaborada a partir de dados coletados pelo Datafolha com abordagem pessoal dos entrevistados em pontos de fluxo populacional e o universo abrangido é a população brasileira com 16 anos ou mais, sendo a amostra total de 3.625 entrevistas em 217 municípios de todos os portes. A coleta de dados foi realizada entre os dias 1 e 5 de agosto deste ano, com margem de erro máxima para o total da amostra é 2,0 pontos percentuais para mais ou para menos.
Vítimas são imediatamente encaminhadas ao CTA
Logo após o atendimento policial, em Marabá, as vítimas são encaminhadas para o Instituto Médico Legal (IML) e, de lá, para atendimento no Centro de Testagem e Aconselhamento, da Administração Municipal. Conforme a gerente interina do órgão, Suely Rodrigues, as vítimas já chegam ao órgão com as solicitações determinadas pelo médico e é submetida ao exame de sorologia, que pode detectar doenças como HIVS, Sífilis, Hepatite B e C.
“Chegando aqui ela vai passar por triagem e a coleta. O resultado sai no mesmo dia e passamos para o médico do CTA, clínico ou infectologia, que vai passar as medicações adequadas para a proteção, antibióticos, dia seguinte (para evitar gravidez) e o coquetel antirretroviral, que deverá ser ingerida durante 28 dias. “Com 30 dias pedimos o retorno para repetir os exames”. Ela lembra que a medicação, que tem até 90% de eficácia para a proteção do vírus HIV, só pode ser iniciada em até 72 horas. Quanto mais rapidamente for administrada a profilaxia, melhor será o resultado.
A partir de 72 horas, é feito apenas o acompanhamento com exames e mediação contra sífilis. Nos casos em que há prisão do autor do crime, ele também é submetido ao exame e para se ter maior certeza de a vítima ter sido contaminada ou não. “Quando o autor é preso há maior chance de se excluir a possibilidade e se descartar a possibilidade de uma infecção, mas é levada em consideração a janela imunológica de 30 dias para qualquer pessoa, agressor e vítima, que é quando o vírus ainda não aparece nos exames”, explica a gerente interina.
(Luciana Marschall)
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