Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, constatou que esses cupinzeiros luminosos também ocorrem no interior da floresta amazônica.
“Até então só havia relatos de bioluminescência [emissão de luz fria e visível por organismos vivos] em cavernas na Nova Zelândia e na Austrália, onde larvas de uma espécie de mosquito luminescente constroem teias no teto de grutas”, disse Vadim Viviani, professor da UFSCar e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, havia relatos ocasionais da existência de cupinzeiros luminosos na floresta amazônica e em outros locais da América do Sul, mas esses casos nunca foram investigados.
A fim de certificar a veracidade desses relatos, os pesquisadores começaram a realizar, a partir de 2009, expedições de observação na Amazônia, iniciando por uma região de transição do Cerrado para a floresta amazônica, ao longo do rio Araguaia, até chegar ao norte de Tocantins.
Em seguida, eles visitaram o lado noroeste do estado de Mato Grosso, ao longo do rio Juruena. E, finalmente, foram ao interior do estado do Pará, na cidade de Canaã de Carajás, em razão de informações que obtiveram da pesquisadora Cleide Costa, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), de relatos de geólogos sobre a ocorrência de larvas bioluminescentes em cavernas argilosas na Floresta Nacional de Carajás.
Durante essas viagens, os pesquisadores constataram a existência de cupinzeiros luminosos, habitados por larvas luminescentes de vagalumes das espécies Pyrearinus fragilis e Pyrearinus termitilluminans, em três localidades diferentes no interior da floresta amazônica – nos municípios de Caseara, no Tocantins, Canaã dos Carajás, no Pará, e Juruena, no Mato Grosso – e na cidade de Novo Santo Antônio, no Mato Grosso, situada em uma área de Cerrado.
Além disso, também confirmaram a presença de larvas luminescentes de vagalumes da espécie Pyrearinus pumilus no interior de cavernas argilosas e com solo rico em ferro – chamadas de canga – na Floresta Nacional de Carajás.
Banquete de insetos
Segundo o pesquisador, a intensidade da luminescência esverdeada emitida pelas larvas de vagalumes luminescentes encontradas nas cavernas de canga aparentemente é mais fraca do que a de seus parentes próximos, encontrados em cupinzeiros superficiais que, no Cerrado, podem atingir 1,7 metro (m).
Ao contrário dos vagalumes lampirídeos, que geralmente ocorrem em campo aberto e emitem flashes intensos de luz, as larvas luminescente de vagalumes encontradas em cupinzeiros e em cavernas argilosas – que pertencem à família dos elaterídeos, conhecidos popularmente como vagalumes tec-tec ou salta-martins – emitem luz muito intensa e contínua, comparou Viviani.
“Além de maior intensidade intermediária, a luz emitida pelas larvas luminescentes de vagalumes elaterídeos de cupinzeiros e de cavernas é mantida por um tempo muito prolongado”, afirmou.
As larvas de vagalumes de cupinzeiros começam a emitir luz – que é a mais esverdeada entre todos os besouros – no final do entardecer, quando o Sol se põe, e continuam durante as primeiras horas da noite, relatou o pesquisador.
Além da vantagem para si próprias de emitir luz para atrair insetos voadores, as larvas bioluminescentes de vagalumes também acabam por beneficiar todo o microecossistema de um cupinzeiro, por exemplo, e de seus arredores, apontou o pesquisador, conforme já havia sido observado por Etelvino Bechara, pesquisador do Instituto de Química da USP, e Cleide Costa, do MZUSP, com cupinzeiros de Cerrado na década de 1980.
Ao emitir luz, as larvas bioluminescentes de vagalumes também atraem outros animais, como aranhas, sapos e aves, que se beneficiam do banquete de cupins e outros insetos pequenos atraídos pelas pequenas luzes brilhantes.
Posteriormente, os excrementos produzidos pelos animais que se fartaram do banquete de insetos ajudam a fertilizar o solo ao redor do cupinzeiro, que normalmente exibe uma flora mais rica que a dos arredores, disse Viviani.
“Dentro das florestas os cupinzeiros já estão em um ambiente bastante rico em matéria orgânica, onde tem muitas folhas caídas. Mas certamente a atração de presas pelas larvas luminescentes de vagalumes enriquece ainda mais o ambiente em volta do cupinzeiro, criando um microecossistema”, estimou.
Aplicações biotecnológicas
Além do ecossistema, a bioluminescência apresentada por essas espécies de vagalumes que habitam cupinzeiros e cavernas também pode trazer benefícios para a sociedade por meio de enzimas luminescentes (luciferases) e seus substratos (luciferina) que são amplamente utilizados como reagentes bioanalíticos e marcadores celulares em biossensores de poluição e prospecção de drogas anticancerígenas e antibióticos, entre uma vastíssima gama de outras aplicações, apontou o pesquisador.
O grupo de pesquisa liderado por ele na UFSCar é especializado em estudos bioquímicos sobre a estrutura molecular e a função das enzimas luciferases (responsável pela emissão de luz) de vagalumes, sendo um dos líderes mundiais nesta área.
A clonagem e a modificação feitas Viviani de uma enzima luciferase de larvas luminescentes de vagalumes colonizadoras de cupinzeiros no Cerrado – que apresenta a bioluminescência mais azul e mais eficiente entre as luciferases de besouros – resultaram no desenvolvimento de um marcador de células de mamíferos por um grupo de pesquisadores no Japão com os quais colabora.
Várias outras luciferases de besouros clonadas pelo grupo também estão atualmente sendo testadas para o desenvolvimento de biossensores e marcadores celulares pelo grupo do pesquisador na UFSCar.
No último simpósio anual da International Society for Bioluminescence and Chemiluminescence (ISBC), a estudante Gabriele Verônica de Mello Gabriel, que atualmente faz doutorado sob orientação de Viviani e um estágio de pesquisa no National Institute of Advanced Industrial Science and Technology em Tsukuba, no Japão, com Bolsa da FAPESP, obteve uma menção honrosa por sua pesquisa com biossensores luminescentes de pH e metais pesados que mudam de cor de acordo com esses fatores.
“É muito importante estudarmos a biodiversidade de vagalumes porque, além de serem bioindicadores de qualidade ambiental como áreas palustres [pantanosas], cursos de água e florestas, cada espécie apresenta luminescência com características diferentes, como a cor e o tipo de emissão da luz, que também podem ter aplicações biotecnológicas, biomédicas e ambientais diferentes”, afirmou Viviani.
(EXAME)
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