Em entrevista, dirigente do MST, conversou com o Brecha sobre as ameaças de Bolsonaro contra o Movimento e os horizontes de luta e resistência
Pouco mais de uma semana após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República, o Brecha, tradicional veículo de imprensa de esquerda no Uruguai, bateu um papo com João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST. Na conversa, traduzida e transcrita abaixo, o militante realiza análises de quais fatores levaram nossa sociedade a este estágio de reorganização da direita e afasta a possibilidade de eliminação do Movimento com o novo governo. Confira na íntegra:
— Como você interpreta e eleição de Bolsonaro?
Possivelmente, nos próximos dias fique mais claro. Mas pode significar algo maior que uma derrota tática para a esquerda: uma derrota estratégica. Por três motivos principais. Primeiro, porque o Bolsonaro recebeu um apoio popular significativo, além das classes médias e da grande burguesia. Ele chegou à base social do lulismo e do petismo com um discurso conservador, por momentos religioso, prometendo melhorar a vida do povo. Entrou na nossa base.
Segundo, porque ele vai realinhar o país (como no período da ditadura militar) com dois grandes impérios: Estados Unidos e Israel. Abandonará todos os instrumentos de defesa da América Latina como a Celac, o Mercosur e assim por diante, e ficará de costas à experiência dos BRICS. É de se esperar que forje uma aliança muito perigosa com a Colômbia e possivelmente com Chile, numa tentativa de destruição ou isolamento da Venezuela e de outros países progressistas da região como Bolívia. Por último representa uma onda repressiva e autoritária. Ele já afirmou na televisão, em vésperas da eleição, que quer aniquilar o comunismo, o socialismo e a esquerda. Não disse “talvez”. Frente a isto, se não conseguimos construir uma resistência significativa que permita dividir a base que lhe deu sustento desde o ponto de vista militar, social e político, ele conseguirá uma posição hegemônica que possivelmente se expressará através de um governo autoritário, capaz de desfazer avanços acumulados em ao menos 30 anos de pós-ditadura.
—Como chegamos nesse ponto?
Tem várias teorias por aí, mas eu destacaria o peso da crise de 2008 nos Estados Unidos, que fez estragos na Europa. Essa crise do Capital foi não somente uma crise econômica de reorganização do capital a nível internacional, mas que teve uma consequência prática: a “primavera árabe”. No Brasil a resposta à crise chegou em 2013, com um movimento de massas que não entendemos naquele momento, mas já estava sendo influenciado (de forma difusa, mas com importante apoio do grande capital) pelas lutas para desorganizar os estados nacionais. Isto teve um impacto significativo na política brasileira, forjando e organizando uma nova direita, que saiu do armário. Essa mesma “primavera” criou e organizou um movimento popular de direita no Brasil, que tem um pé muito forte na religião e outro na classe média moralista. Esse movimento mostra confusões teóricas toda hora, mas ao mesmo tempo faz um questionamento compreensível sobre o Estado brasileiro, que não consegue resolver uma série de demandas. O passo seguinte foi dar o golpe. Sua estratégia foi justamente formar uma frente de classe média, da pequena burguesia do Judiciário, com uma retórica moralista sobre o tema da corrupção e sobre isso construíram uma base social com certa força política. Assim conseguiram desorganizar o que o lulismo e o petismo tinham conseguido fazer.
—Tais movimentos foram subestimados?
A direita acertou quando prendeu o Lula. Perdemos o principal porta voz das massas, o líder natural que tínhamos. Cortou a mediação entre as nossas concepções ideológicas e as massas. Essa decisão a subestimamos. Achamos que não iam prender ele, que se o prendessem iam soltá-lo logo, e a gente ia nessa eleição e ganhava. Mas deu tudo errado.
—Bolsonaro colocou o MST como um dos seus principais inimigos, e parece querer resolver tudo na bala. Temem um extermínio?
Não, porque é muito difícil. Não somos um imposto, que é possível tirar fácil. Somos pelo menos 2 milhões de pessoas que vivem em 8 milhões de hectares de terra no Brasil. Como vai fazer? Despejar e matar todo mundo? A base do nosso movimento está formada ideológica e politicamente. O movimento não é a direção. Temos uma história de mais de 30 anos. O MST já sobreviveu a governos muito delicados.
Sim, vão eliminar companheiros e companheiras, implantar políticas públicas para boicotar nossas escolas e nossas tantas iniciativas de assistência técnica. Mas na sua essência a luta pela reforma agrária vai continuar. É como dizer que vai acabar com os movimentos de moradia. Como? Matando todos os pobres? Enterrando eles? Mandando para Venezuela? É preciso resolver o problema através da política pública. É provável que tenha ataques contra nosso povo, mas o movimento nasceu na ditadura militar, numa situação gravíssima e sobrevivemos até hoje. Tampouco somos arrogantes, nem vamos dizer que estamos bem, felizes, ou que vamos crescer. Mas não trabalhamos com a hipótese do extermínio de uma luta por uma causa tão ampla e justa como a Reforma Agrária.
—Que efeitos pode ter o governo Bolsonaro?
É muito difícil saber, porque desconhecemos da onde virão seus ataques. Pode ser um governo que faz muito barulho que nem o Trump, mas que não consegue impor grandes medidas radicais. Podemos ter um governo autoritário que faz grandes mudanças na legislação, e isso é um perigo, porque tem base no Congresso Nacional. Um risco é que libere forças paralelas de repressão, ou que seus próprios seguidores montem milícias por exemplo. Isso seria um risco muito grande, e pode acontecer. Mas quero crer que essa divisão que temos na sociedade brasileira vai nos dar muita força para resistir.
Boa parte da academia está do nosso lado, os juristas, setores dos meios de comunicação, os artistas. Os bolsonaristas estão com o setor mais conservador de uma parcela da sociedade. Mas de um total de mais de 100 milhões, ele só tem 40% de apoio, tem 60% que não votou ele. O desafio, que é muito grande, é como fazer que esses 60% venham para o nosso lado.
Mas já sabemos três coisas. Primeiro, a nossa resistência é política, não militar. Não podemos nos iludir com qualquer ideia militarista para se defender ou atacar o Bolsonaro. Segundo, temos que ficar no meio das massas, porque o que vai nos salvar é o povo. Se apostarmos pela ação vanguardista, isso será um problema. Terceiro, temos que colar nas pautas econômicas, como a Reforma Agrária, a Reforma da Previdência, a saúde e a educação. Porque o discurso ideológico neste momento ajuda pouco. São essas pautas econômicas que geram unidade e permitem mobilizar o povo.
Por Marcelo Aguilar
Do Brecha
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