Eu tenho 46 anos e posso dizer que sei bem como era a vida antes da popularização da Internet. Era viver com fichas telefônicas no bolso (depois vieram os cartões de crédito telefônicos); não havia celular e internet em casa, definitivamente, não era uma opção.
Hoje, com tudo isso tão à disposição, fica muito difícil entender COMO é que nós fazíamos pra conseguir estudar, trabalhar e nos relacionar com as pessoas. Imagine ter que esperar que a pessoa estivesse num determinado local (sabido) pra poder falar com ela, já que não havia telefonia móvel, apenas fixa. Namorar pelo telefone era uma graça. Você ocupava o telefone da casa e o povo todo ficava te xingando e reclamando.
Mas o hoje virou ontem e o amanhã virou hoje e as novas tecnologias estão aí, facilitando a nossa vida. Mas a que ponto? É sobre isso que este texto pretende tratar.
Estamos na aurora de um novo tempo. A era da comunicação chegou e com ela, seus excessos. Antes, pecava-se pela falta de informação; hoje, pelo excesso. O excesso de informação nos deixou cínicos e sem tempo de sentir empatia pelo próximo. O maior e mais visível reflexo moderno desta constatação é o fenômeno moderno chamado FAKE NEWS, que é o equivalente digital à calúnia e ao linchamento. Mas vamos aos dados:
Hoje, o Facebook conta com mais de dois bilhões de usuários no mundo, sendo 127 milhões apenas no Brasil. Isso representa quanse dois terços da população! Supera inclusive o número de usuários do WhatsApp, com 120 milhões de usuários. Este último alcançou a marca de 1,5 bilhão de usuários ativos por mês: são 60 bilhões de envios todos os dias!
Esses poucos dados servem apenas pra que você, leitor, perceba o tamanho que a coisa está tomando. Sempre me proponho a escrever sobre o que eu considero relevante para nossa cidade e região, por isso resolvi escrever sobre um fenômeno que vem tomando conta dos debates políticos em Parauapebas e região: os grupos de WhatApp.
Esse recurso de uma das ferramentas de rede social mais populares do mundo tem se mostrado cada vez mais ativo e importante pra interligar pessoas e ideias e isso é muito bom, já que há enorme comodidade em poder ver tudo o que se deseja (pessoas, autoridades, notícias e debates) em um só lugar, não é mesmo? Porém, hoje o que eu observo é que muitas pessoas vêm tentando fazer disso um trampolim político para alavancar (ou derrubar, conforme o caso), carreiras e reputações.
E muitos, em vez de contribuir em debates nos grupos já criados, criam os seus próprios e colocam praticamente as mesmas pessoas que já estavam em grupos anteriores, apenas pra ver se este seu novo grupo passa a lhe dar algum protagonismo na discussão política. Se isso vai funcionar, só o tempo dirá com certeza, mas eu particularmente não consigo ver dessa forma. Eu não acredito que uma pessoa que não consegue se sobressair num debate presencial, vá conseguir fazê-lo apenas por ser o administrador do grupo tal. Quem é bom, é bom, não importa a plataforma; o mesmo vale pra quem é um cabeça de vento, claro.
Quando eu vejo essas pessoas na Internet, eu sempre penso assim: “se em vez de WhatsApp, houvesse um local na cidade, onde pessoas seriam convidadas a debater PRESENCIALMENTE sobre política, essa pessoa seria convidada?” De acordo com a resposta que eu mesmo dou a essa pergunta, é como eu tratarei com essa pessoa.
Porque hoje em dia, o nivelamento por baixo criou uma inversão de valores que eu sinceramente não entendo e não aceito. Por exemplo: já repararam que tem algum tempo que a palavra “intelectual” virou xingamento na Internet? Quer dizer, se você souber pelo menos conjugar o verbo SER no presente do indicativo, você é metido a intelectual (e pelo jeito, para essas pessoas, isso é uma coisa ruim). Hoje, não precisa ler pra debater política. Basta comprar um celular de 400 reais com whatsapp instalado e a pessoa já se comporta como cientista político, apesar de nunca ter folheado uma única página sobre teoria política. E gente, ler é preciso sim quando estamos falando de política, que é basicamente, o confronto de ideias utilizando-se de dialética e retórica. Tem uma regra que eu sempre sigo: “opinião, todo mundo pode ter. Mas opinião não é argumento”.
Opinião é achismo; um ponto de vista que pode ter ou não, razão e não importa. Já o argumento é uma reflexão baseada em análises de dados confrontados, pesados e contextualizados.
Em Parauaebas, estamos CHEIOS de exemplos negativos nesse sentido, infelizmente. Sempre que alguém me coloca num grupo de Whats (normalmente sem falar comigo antes, o que é uma grosseria, fiquem sabendo), que não tem um objetivo definido, eu vou logo ver a lista de participantes; normalmente 75% a 80% das pessoas são as mesmas de outros grupos aos quais eu já pertenço. Eu saio.
Hoje, os aplicativos já são levados em consideração até em pesquisas eleitorais, mas eu acredito que sua força ainda é desconhecida. Criam-se pseudo celebridades, mas será que alcançam mesmo o povão? Quer dizer, um grupo de WhatsApp tem por volta de 250 pessoas, né? Isso representaria menos de 0,1% da população do município e se considerarmos que esse público em sua maioria é repetido nos grupos, temos na verdade, muito pouca propagação da mensagem pretendida. Porém, apesar de sua pouca penetração (teórica), os grupos têm o poder de formar opiniões, por isso, devem ser considerados em novas estratégias de mercado e políticas sim, mas sabendo que ainda há limitações óbvias de países em desenvolvimento, como: internet não universalizada, celulares caros e planos de dados móveis pouco amigáveis.
Para encerrar, uma advertência: a Internet de uma forma geral e os grupos de WhatsApp especificamente ainda parecem ser “terra sem lei”. Mas não se engane, apenas parecem.. já existem exemplos de ADMINISTRADORES DE GRUPOS que, mesmo sem terem feito nada errado, eles mesmos, foram processados e condenados por delitos cometidos por outras pessoas, como no caso do grupo “Jogo na Casa da Gigi”, criado em 2014, quando a garota tinha apenas 14 anos para interagir com amigos da escola. Pois bem, no fim de maio, a Justiça de São Paulo a condenou a pagar R$ 3.000 a integrantes que foram xingados por outros durante a conversa.
Entenda: alguns garotos começaram a disparar OFENSAS HOMOFÓBICAS contra três dos integrantes. Em meio ao falatório, a jovem até decidiu acabar com o grupo, mas voltou atrás e criou outro. Também por ali as ofensas continuaram. Em nenhum momento, no entanto, ela ofendeu os jovens, segundo o próprio desembargador Soares Levada escreveu em sua sentença: “Não há demonstração alguma de que a apelada tenha, ela própria, ofendido diretamente os apelantes”. Mas, segundo ele decidiu, a administradora cometeu um ato ilícito ao não excluir os detratores. Além disso, ela não tentou minimizar as provocações, inclusive enviou emoji de risada em resposta a uma mensagem. Por isso, o desembargador entendeu que a atitude da jovem se enquadra no artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
A decisão inclusive levou em conta o fato de ela ter 15 anos na época. Se ela tivesse mais de 18 anos, o juiz consideraria uma punição maior. Então, cuidado, você pode ser responsabilizado pelo que os outros fazem em seu grupo!
COM GRANDES PODERES, VÊM GRANDES RESPONSABILIDADES
A advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em direito digital, explica que essa é uma postura que vem sendo adotada pela Justiça brasileira de que as relações em mídias sociais devem ser fundamentadas na boa fé e que os usuários, ainda que não participem de uma ação, devem tentar mitigar o dano.“A maioria das pessoas não compreende a responsabilidade de ser administrador”, diz ela. O administrador normalmente tem poderes para gerenciar uma situação. Se algo está acontecendo, pode agir de forma preventiva, como dizer qual a regra do grupo ou o que é tolerado, usar os recursos da ferramenta para remediar o conflito, como deletar a mensagem ou remover o participante. Lembrando que juízes já condenaram pessoas apenas por compartilhar algum conteúdo.
“A pessoa que compartilha acha que só repassou e que não é autora da conduta ilícita. Mas tribunais já disseram que você chancela o conteúdo que compartilha”, diz ela. “Essa é uma tentativa de mostrar para sociedade que há limites.”
E AGORA, O QUE FAZER?
Administradores devem se policiar. “Eles terão de ficar espertos”, diz Peck Pinheiro. “Se acontecer uma ação ilícita dentro de um aplicativo, terão que se manifestar e dizer que não concordam e terão que parar com aquilo.” E terão de observar não apenas ciberbullying, mas comentários racistas, discriminatórios, divulgação de pornografia infantil, calúnias, injúrias ou difamações e até se há a circulação de fotos e vídeos de vingança pornográfica ou ameaças. “O Marco Civil da Internet fala da plena liberdade de expressão, mas a nossa Constituição diz que um direito não se sobressai ao outro. Você tem direito à liberdade de expressão, mas não é absoluto. Não existe a liberdade de ofender”, diz Rubia.
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