Poucos homens e mulheres – e alguns, no Ministério Público e no próprio Judiciário do Pará, usam calças e saias, mas não honram suas vestes, porque se mostram nus perante a sociedade, seja pela covardia moral ou por não terem coragem de enfrentar poderosos, preferindo a eles se aliar – têm a postura de verdadeiro servidor público como o procurador de Justiça, Nelson Pereira Medrado.
Conheço-o há mais de 20 anos e nesse tempo, atuando como repórter investigativo em jornais pelos quais passei, tive a oportunidade de cobrir inúmeros fatos em que Medrado, cioso de seu dever funcional, não pensou duas vezes em enquadrar quem age fora da lei. Nunca foi mais ou menos corajoso do que outros. Apenas faz o que dele espera a sociedade.
Já testemunhei certas autoridades, na minha frente, afirmarem que Medrado é “louco”, “metido a honesto”, “implacável” e “perseguidor”, mas até hoje não apareceu ninguém para apontá-lo de corrupto ou mau caráter. Aliás, aqueles que falam às suas costas, por evidentes interesses contrariados, enquadram-se na máxima do filosofo pré-socrático Epimênides: “aquilo que Pedro diz de Paulo, ensina mais sobre Pedro do que sobre Paulo”.
Foi assim quando ele foi parar dentro da Secretaria Estadual de Fazenda (SEFA), onde montou um gabinete que funcionava, a serviço do Ministério Público, como verdadeira central de operações contra grandes sonegadores e outros ladrões engravatados que faziam fortunas e dançavam o carimbó da impunidade.
Não pegou muita gente, como gostaria, mas seu trabalho deixou marcas positivas, servindo de estímulo a outros promotores sérios. De uns tempos para cá, Medrado, ainda como promotor, fixou-se na coordenação do Núcleo de Combate à Corrupção e à Improbidade Administrativa, estreitando seu trabalho de inteligência em parceria com o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Resultado: 78 prefeitos e ex-prefeitos, envolvidos com o mau uso do dinheiro público, desvios e enriquecimento ilícito estão sob investigação. Vários já respondem a processos como réus e alguns foram presos. Outros, ainda aguardam resultados de perícias para ser denunciados e processados. As fraudes nos contracheques de servidores da Assembleia Legislativa e o caso do jatinho do empresário Rômulo Maiorana Júnior também foram por ele investigados.
A promoção por merecimento ao cargo de procurador, mais recentemente, em vez de torná-lo um deslumbrado e acomodado, como eventualmente ocorre, respeitando-se as exceções, fizeram com que Medrado ampliasse o alcance de suas investigações. E, o que é melhor, sem extrapolar as atribuições que o cargo impõe.
Mexer com jatene, não pode
Apesar dessa conduta honrada, o procurador, desde o ano passado, responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) junto ao Conselho Superior do Ministério Público em razão de procedimento aberto contra ele a pedido do governador tucano Simão Jatene. E qual a razão disso? Jatene não aceita ser investigado por Medrado porque alega que ele não tinham delegação do procurador-geral de Justiça para processá-lo no famoso caso Betorcard.
O PAD contra Medrado foi assinado pelo então corregedor-geral do MP, Adélio Mendes e pelo subcorregedor-geral Jorge Mendonça Rocha, hoje corregedor-geral, e publicado na edição de 30 de março passado do Diário Oficial. Esse PAD suscitou ampla matéria aqui noVer-o-Fato. O mesmo PAD, uma peça vergonhosa, que mostra o MP de joelhos para o Executivo, também pegou por tabela o promotor militar Armando Brasil, que investiga o abastecimento das viaturas da Polícia Militar nos postos de combustíveis de Alberto Jatene, o “Beto Jatene, filho do governador.
Medrado e Brasil, no começo de 2016, após exaustivas investigações, ingressaram no Justiça Estadual com uma ação civil pública contra o governador Simão Jatene, acusando-o de improbidade administrativa por favorecer o filho na exploração de um negócio cuja fatura alcança R$ 5 milhões.
Além do governador e do filho, Beto, também houve denúncia contra a secretária estadual de Administração, Alice Viana. A empresa Equador, distribuidora de combustíveis, é outra ré no processo. No PAD, o promotor e o procurador são acusados de “violação funcional” e poderão sofrer dura punição, já que, segundo a portaria assinada pelo procurador e 2º subcorregedor-geral do MP, Jorge Mendonça Rocha, ” em caráter preliminar apurou-se a existência de indícios” de que ambos teriam infringido a Lei Orgânica do Ministério Público.
Tinha delegação para investigar
A verdade é que Medrado e Brasil tinham duas autorizações, assinadas por procuradores-gerais do MP paraense, para investigar o governador. Uma, assinada pelo procurador Manoel Santino, durante interinidade no cargo, e outra pelo titular da chefia do MP, Marcos Antonio das Neves, que era amicíssimo de Jatene, mas no mês final de sua gestão rompeu com ele e delegou autorização a Medrado e Brasil para processar o governador.
Pois outra edição do Diário Oficial do Estado, a de ontem, trazendo portaria assinada no dia 10 passado, informa o que já se comentava pelos corredores do MP: Gilberto Valente Martins, procurador-geral do Ministério Público, afastou Nelson Medrado de qualquer investigação contra governantes, estejam eles no Estado, tribunais de contas, Assembleia Legislativa, ou Tribunal de Justiça. Jatene venceu a parada. Quem tem coragem para processá-lo? Medrado tinha, mas foi afastado.
E agora, quem vai assumir o lugar de Medrado? Resposta: o próprio Gilberto Valente, que será, além de chefe do MP – segundo colocado na eleição geral do órgão, aliás, mas ungido ao cargo pelo governador Simão Jatene – também o chefe do núcleo de combate à corrupção.
Resta saber quais corruptos serão investigados.
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