Olá, meu amigo. Não sei por onde você anda, mas sei que não é por perto. Fiquei sabendo das tuas tentativas de carreira, dos teus clássicos abandonos de curso, das tuas inflexões, das curvas em alta velocidade. Fiquei sabendo das noites regadas a álcool e dos amigos que passaram por aí. Dom Leandro, o tempo passou.
O tempo passou e ele foi mais rápido do que prevíamos. Não somos velhos, longe disso. Mas o tempo correu numa pressa inexplicável. Lembra dos sonhos de revolução? A gente era comuna e nem sabia bem disso. Lembra dos nossos ateísmos? Das nossas clássicas tentativas de negar a existência de um ser maior. Éramos dois adolescentes nada convencionais, completamente ridículos, bons atletas, mesmo fora de forma, e éramos mocinhos num mundo de vilões.
Dom Leandro, lembrou que comecei a te chamar assim depois de descobrir que Raul e Paulo se tratavam desta exata forma. E eu, que sempre quis ser tal qual os dois, passei a te chamar assim, com essa fidalguia tão própria para a sua pessoa.
Arquitetamos viagens, planejamos baseados futuros, carreirinhas escusas, fugas da prisão, a paz, a revolução. Fizemos um terço pelo menos? Que nada. A gente precisa fazer as coisas quando tem vontade. Deixar para lá, dá nisso! Descumprimos os tratos feitos para a vida toda. Entendeu quando eu disse que a ideia era pra já? A gente deixa a vida ir passando e o que fazia sentido antes não faz mais. O ‘envelhecer’ se torna o ‘lamentar’.
Ah, Dom Leandro… Quantos planos a gente deixa pra lá! A gente é adolescente e a noção de mudar o mundo parece tão palpável, tão possível, tão próxima… A gente não muda nada! As coisas eram como eram e são como são. Duvido muito que deixarão de ser as mesmas no futuro. O que a gente fez, meu amigo? A gente se encaixou no que a vida já era e só.
A gente estava certo, tá? Só pra lembrar. As guerras são ruins, os poemas são bonitos, as flores continuam a nascer. Raul continua igual também, tá? E ainda faz o mesmo sentido. O nome do meu filho é Raul, só pra você saber, tá? E tenho uma filha também. Ela se chama Maria, pelo Milton, e Luísa, pelo Tom. Acho que acabou fazendo sentido.
As coisas mudaram e o tempo passou. Nada nunca será como antes. Queria saber das suas novidades. Casou? Casar é bom, o ruim é o divórcio. Passei pelos dois, só para efeito de conhecimento. Mas a gente supera tudo, meu amigo, e disso você já deve saber. Certeza que você passa por cobranças, ultimatos, ciúmes… Como anda o seu coração, meu amigo? Ainda bom? Ou seco?
A gente vai secando, né, Dom Leandro? Uns sentimentos que haviam antes vão ficando para trás. A sede de comunismo, por exemplo, se transformou em bom senso. Apesar de estar sempre à esquerda, sei que os problemas vão além disso.
Decidi lhe escrever, velho amigo, pois sei que tudo parece pior. Nossos planos não tinham lá tanto fundamento, mas ainda assim eram planos. Éramos dois jovens românticos, destemidos, com talento nato para a confusão e uma tendência rara para o ridículo. Éramos ótimos amigos e seríamos ótimos companheiros de viagem.
Decidi lhe escrever, meu amigo, pois, apesar de ser tudo um caos, acho que a gente deveria tentar, sair por aí sem rumo, sem juízo, tal qual o combinado uma década atrás. Sei que já não somos mais os mesmos, mas sempre é tempo de tentar mudar o mundo.
Sei que esse pedido não tem pé, nem cabeça, mas já pensou a gente zanzando por aí, falando de amor, puxando um baseado, vendo o pôr do sol em São Tomé das Letras, encontrando o túnel para Machu Picchu? Ah, ia ser lindo…
Mas o tempo passou, meu amigo. E sei que nada será como antes. Esqueça essa carta, tá? A gente cresceu e a vida é um drama sem volta.
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